William James, A percepção do tempo

William James, A percepção do tempo
William James no Brasil em 1865

Tradução e notas, por Renato Duarte Fonseca (Dept. Filosofia, UFRGS), do capítulo XV de Os princípios de psicologia, de William James (1890). O texto a seguir é uma republicação do que apareceu originalmente na Modernos & Contemporâneos 7 (2023), pp. 251-282.[1]

A percepção do tempo

William James

Nos próximos dois capítulos[2], tratarei do que por vezes se denomina percepção interna, ou percepção do tempo e de eventos enquanto ocupantes de uma data no tempo [a date therein], especialmente quando essa data é passada, em cujo caso a percepção em questão recebe o nome de memória. Para lembrar-se de uma coisa como passada, é necessário que a noção de ‘passado’ seja uma de nossas ‘ideias’. Veremos no capítulo sobre a Memória que muitas coisas são pensadas por nós como passadas não devido a alguma qualidade intrínseca sua, mas antes porque são associadas a outras coisas que, para nós, significam pretericidade [pastness]. Mas como essas coisas adquirem sua pretericidade? Qual é a origem de nossa experiência de pretericidade, a partir da qual obtemos o sentido do termo? É essa questão que se convida o leitor a considerar no presente capítulo. Veremos que temos um sentimento [feeling] constante, sui generis, de pretericidade, pelo qual cada uma de nossas experiências acaba por vez capturada. Pensar em uma coisa como passada é pensá-la entre os objetos ou na direção dos objetos que, no momento presente, mostram-se afetados por essa qualidade. Essa é a origem de nossa noção do tempo passado, na base da qual a memória e a história constroem seus sistemas. E neste capítulo consideraremos apenas esse sentido imediato de tempo.

Se a constituição da consciência fosse como a de um colar, com sensações e imagens como contas, todas separadas,

“nunca teríamos qualquer conhecimento senão do instante presente. No momento em que cada uma de nossas sensações cessasse, teria partido para sempre; e seríamos como se nunca tivéssemos existido até então. . . . Seríamos totalmente incapazes de adquirir experiência. . . . Mesmo que nossas ideias fossem associadas em sequências, embora tão-somente como se encontram na imaginação, estaríamos ainda sem a capacidade de adquirir conhecimento. Uma ideia, sob essa suposição, seguiria a outra. Mas isso seria tudo. Cada um dos nossos sucessivos estados de consciência, assim que cessasse, teria partido para sempre. Cada um daqueles estados momentâneos seria nosso inteiro ser.”[3]

Poderíamos, não obstante, sob essas circunstâncias, agir de maneira racional, contanto que o mecanismo que produziu nossas sequências de imagens as tenha produzido em uma ordem racional. Faríamos discursos apropriados, embora sem consciência de qualquer palavra senão a que estivesse em nossos lábios; decidiríamos sobre o plano correto de ação sem qualquer vislumbre das inteiras bases de nossa escolha. Nossa consciência seria como o lampejo de um vagalume, iluminando o ponto exato sobre o qual se encontra, mas deixando tudo o mais na completa escuridão. Que seja possível uma vida prática altamente desenvolvida sob circunstâncias como essas é mais que duvidoso; é, contudo, concebível.

Elaboro a hipótese fantasiosa meramente para realçar, por contraste, nossa real natureza. Nossos sentimentos não são contraídos dessa forma, e nossa consciência nunca é reduzida às dimensões do lampejo de um vagalume. O conhecimento de alguma outra parte do fluxo [of the stream], passada ou futura, próxima ou remota, está sempre misturado ao nosso conhecimento da coisa presente.

Uma sensação simples, como doravante veremos, é uma abstração, e todos os nossos estados mentais concretos são representações de objetos com algum grau de complexidade. Parte da complexidade é eco dos objetos recém-passados [just past] e, talvez em menor grau, antecipação dos que estão por chegar. Objetos se esvaem da consciência vagarosamente. Se o pensamento presente é de ABCDEFG, o próximo será de BCDEFGH e o seguinte será de CDEFGHI – as remanescências [lingerings] do passado apagando-se sucessivamente e os adventos [incomings] do futuro suprindo-lhe a perda. Essas remanescências de objetos antigos, esses adventos de novos, são os germens da memória e da expectativa, o sentido retrospectivo e o sentido prospectivo do tempo. Eles dão à consciência aquela continuidade sem a qual ela não poderia ser denominada um fluxo.[4]

O presente sensível tem duração

Tente alguém, não direi deter, mas notar o ou atentar ao presente momento do tempo. Ocorre uma experiência das mais desconcertantes. Onde está ele, esse presente? Ele se desfaz em nossas mãos, fugindo antes que possamos tocá-lo, partindo no instante de vir a ser. Como um poeta citado pelo Sr. Hodgson diz,

“Le moment où je parle est déjà loin de moi”[5],

e é apenas quando se adentra a organização viva e em movimento de um trecho mais amplo de tempo que o presente estrito é de alguma sorte apreendido. Na verdade, ele é uma abstração totalmente idealizada, não apenas nunca realizada nos sentidos, mas provavelmente nunca sequer concebida por quem não esteja acostumado à meditação filosófica. A reflexão nos conduz à conclusão de que ele tem de existir, mas que ele efetivamente exista não pode nunca ser um fato de nossa experiência imediata. O único fato de nossa experiência imediata é o que o Sr. E. R. Clay corretamente denominou ‘o presente especioso’. Suas palavras merecem ser citadas integralmente:

“A relação da experiência com o tempo não foi até aqui estudada com profundidade. Seus objetos são dados como sendo do presente, mas a parte do tempo à qual o datum se refere é uma coisa muito diferente do limite comum [conterminous] do passado e do futuro que a filosofia denota com o nome Presente. O presente ao qual se refere o datum é na realidade uma parte do passado – um passado recente – enganosamente dado como sendo um tempo que intervém entre o passado e o futuro. Que ele seja denominado o presente especioso e que o passado que é dado como passado seja conhecido como o passado óbvio. Todas as notas de um compasso parecem ao ouvinte contidas no presente. Todas as mudanças de lugar de um meteoro parecem ao observador contidas no presente. No instante em que terminam tais séries, nenhuma parte do tempo mensurado por elas parece ser um passado. O tempo, pois, considerado relativamente à apreensão humana, consiste em quatro partes, a saber, o passado óbvio, o presente especioso, o presente real e o futuro. Se omitirmos o presente especioso, ele consiste em três . . . não-entidades – o passado, que não existe, o futuro, que não existe, e seu limite comum, o presente; a faculdade do qual procede repousa para nós na ficção do presente especioso.”[6]

Em poucas palavras, o presente tal como é conhecido na prática não é um fio de faca, mas uma sela que dispõe de certa largura, sobre a qual nos sentamos e a partir da qual olhamos nas duas direções do tempo. A unidade de composição de nossa percepção do tempo é uma duração, como que dotada de proa e popa – uma extremidade voltada para trás e outra voltada para a frente.[7] É apenas como partes desse bloco de duração que a relação de sucessão de uma extremidade à outra é percebida. Não sentimos primeiramente uma extremidade e então a outra depois dela, inferindo da percepção da sucessão um intervalo de tempo entre as duas, mas parecemos sentir o intervalo de tempo como um todo, com suas duas extremidades integradas nele. A experiência é desde o princípio um datum sintético, não um simples; e para a percepção sensível seus elementos são inseparáveis, embora a atenção retroativa possa facilmente decompor a experiência e distinguir seu começo de seu fim.

Quando formos estudar a percepção do Espaço, constataremos que ela é assaz análoga ao tempo sob esse aspecto. A data no tempo corresponde à posição no espaço; e ainda que ora construamos mentalmente espaços amplos imaginando mentalmente posições mais e mais remotas, ora construamos grandes durações ao prolongarmos mentalmente uma série de datas sucessivas, a experiência original tanto do espaço quanto do tempo é sempre, contudo, experiência de algo dado já como uma unidade, no interior da qual a atenção posteriormente discrimina partes uma em relação com a outra. Sem as partes dadas já como em um tempo e em um espaço, a subsequente discriminação delas dificilmente poderia fazer mais do que as perceber como diferentes uma da outra; não teria qualquer motivo para chamar a diferença de ordem temporal, nesse caso, ou posição espacial, naquele.

E assim como em certas experiências podemos ser conscientes de um vasto espaço cheio de objetos sem os localizarmos distintamente no seu interior; assim também, quando muitas impressões se seguem em uma excessivamente rápida sucessão no tempo, embora possamos ser distintamente conscientes de que ocupam alguma duração e não são simultâneas, podemos não estar em condições de discernir qual venha primeiro e qual por último, ou podemos até inverter sua ordem real em nosso juízo. Em experimentos que medem tempo de reação, nos quais sinais, movimentos e cliques do equipamento se apresentam em ordem por demais rápida, ficamos de início muito perplexos para decidir qual seja sua ordem, ainda que nunca duvidemos do fato de ocuparem um tempo.

Precisão de nossa estimativa de durações curtas

Devemos agora proceder a um tratamento em detalhes dos fatos da percepção temporal, como tarefa preliminar à nossa conclusão especulativa. Muitos dos fatos são matéria de experimentação paciente, outros de experiência comum.

Antes de tudo, notamos uma significativa diferença entre as sensações elementares de duração e as de espaço. As primeiras têm um alcance muito menor; o sentido de tempo pode ser denominado um órgão míope, em comparação com o olho, por exemplo. O olho enxerga varas [rods], acres, mesmo milhas, de um único relance, e pode posteriormente subdividir essas totalidades em um número quase infinito de partes distintamente identificadas. Por outro lado, as unidades de duração que o sentido de tempo é capaz de apreender de uma só vez são grupos de uns poucos segundos e, no interior dessas unidades, pouquíssimas subdivisões – talvez no máximo quarenta, como presentemente veremos – podem ser claramente discernidas. A maioria das durações com as quais temos de lidar na prática – minutos, horas, dias – tem de ser concebida simbolicamente e construída por adição mental, à maneira daquelas extensões de centenas de milhas ou mais, as quais, no campo do espaço, ultrapassam totalmente o alcance dos interesses práticos da maioria dos homens. Para ‘tomar consciência’ de um quarto de milha, precisamos apenas olhar pela janela e sentir seu comprimento por um ato que, embora possa em parte resultar de associações organizadas, ainda assim parece ser realizado imediatamente. Para tomar consciência de uma hora, temos de contar ‘agora! – agora! – agora! – agora! –’ indefinidamente. Cada ‘agora’ é o sentimento de uma porção separada de tempo, e a soma exata das porções nunca produz uma impressão muito clara em nossa mente.

Quantas porções podemos apreender claramente de uma só vez? Pouquíssimas, se forem porções longas, um tanto mais se forem extremamente curtas, especialmente se nos vierem em grupos compostos, cada qual incluindo, por sua vez, porções menores.

A audição é o sentido pelo qual a subdivisão de durações é feita de maneira mais exata. Quase todo o trabalho experimental sobre o sentido de tempo foi feito por meio de toques sonoros. Quão longa pode ser uma série de sons, pois, para ser agrupada em nossa mente sem ser confundida com uma série maior ou menor?

Nossa tendência espontânea é fracionar qualquer série monótona de sons que nos seja dada de acordo com alguma espécie de ritmo. Involuntariamente acentuamos cada segunda, terceira, quarta batida, ou quebramos a série de maneiras ainda mais intrincadas. Sempre que, desse modo, apreendemos as impressões de forma rítmica, podemos identificar sem confusão uma cadeia mais longa delas.

Cada variedade de verso, por exemplo, tem sua ‘lei’; e as ênfases e diminuições de tom nos fazem sentir com peculiar prontidão que falta ou sobra uma sílaba. Versos diversos podem ainda ser reunidos sob a forma de uma estrofe; podemos, então, dizer de outra estrofe que “seu segundo verso difere muito do da primeira estrofe”, quando, não fosse pela forma de estrofe sentida por nós, os dois versos contrastantes nos chegariam separadamente demais para uma comparação. Mas esses sistemas superpostos de ritmo logo alcançam seu limite. Em música, como diz Wundt, “embora a medida possa facilmente conter 12 mudanças de intensidade de som (como no tempo 12/8), o grupo rítmico pode abarcar 6 medidas e o período ser composto de 4 grupos, excepcionalmente de 5 [8?]”[8].

Wundt e seu pupilo Dietze tentaram ambos determinar de maneira experimental a extensão máxima de nossa consciência distinta imediata com respeito a impressões sucessivas.

Wundt[9] descobriu que doze impressões podem ser distinguidas claramente como um aglomerado unificado, contanto que sejam capturadas em certo ritmo pela mente, sucedendo-se em intervalos não menores do que 0.3 segundos e não maiores do que 0.5 segundos. Isso faz com que o tempo total distintamente apreendido se encontre entre 3.6 a 6 segundos.

Dietze fornece números maiores.[10] Os intervalos mais favoráveis para capturar claramente os toques foram quando estes advinham em intervalos de 0.3 a 0.18 segundos entre um e outro. Quarenta toques, portanto, poderiam ser lembrados como um todo e identificados sem erro quando repetidos, contanto que a mente os tivesse apreendido em cinco subgrupos de oito, ou em oito subgrupos de cinco toques cada. Quando não se permitiu nenhum agrupamento de toques além de seu arranjo aos pares pela atenção – e constatou-se que na prática era impossível não os agrupar pelo menos desse modo, o mais simples de todos –, 16 foi o maior número que poderia ser claramente apreendido como um todo.[11] Isso faria com que 40 vezes 0.3 segundos, ou 12 segundos, fosse a máxima duração preenchida da qual podemos ser simultânea e distintamente conscientes.

A máxima duração vazia [vacant], ou não-preenchida, parece situar-se nos mesmos limites objetivos. Estel e Mehner, também trabalhando no laboratório de Wundt, descobriram que ela varia de 5 ou 6 até 12 segundos, ou talvez mais. As diferenças pareceram dever-se à prática, em vez de à idiossincrasia.[12]

Grosso modo, pode-se considerar que essas medidas estão pela parte mais importante do que, com o Sr. Clay, denominamos, algumas páginas atrás, o presente especioso. O presente especioso possui, adicionalmente, uma borda [fringe] posterior e uma borda anterior vagamente evanescentes, mas seu núcleo consiste provavelmente nos doze segundos ou menos recém-transcorridos.

Se essa é máxima, qual, então, é a quantidade mínima de duração que podemos distintamente sentir?

A menor medida foi determinada experimentalmente por Exner, que escutou distintamente o caráter duplo de dois cliques sucessivos de uma roda de Savart e de dois estalos sucessivos de uma fagulha elétrica, quando seu intervalo foi reduzido até por volta de 1/500 de segundo.[13]

Com o olho a percepção é menos delicada. Duas fagulhas produzidas em rápida sucessão no centro da retina deixaram de ser reconhecidas como sucessivas por Exner quando seu intervalo caiu para abaixo de 0.044′′.[14]

Onde, como aqui, as impressões sucessivas são apenas duas em número, podemos mais facilmente perceber o intervalo entre elas. O reitor Hall[15], que realizou experimentos como uma roda de Savart modificada, que dava cliques em número variável e em intervalo variáveis, diz:

“A fim de que sua descontinuidade possa ser claramente percebida, quatro ou mesmo três cliques ou toques devem estar mais afastados do que seria necessário para dois. Quando dois podem ser facilmente distinguidos, três ou quatro separados pelo mesmo intervalo . . . são frequentemente pronunciados, com segurança, respectivamente como dois ou três. Seria bom se observações fossem conduzidas a fim de verificar-se, ao menos até dez ou vinte, o aumento [do intervalo] requerido por cada clique adicional em uma série para que o senso de descontinuidade permanecesse constante do início ao fim.”[16]

Quando a primeira impressão é de um dos sentidos e a segunda de outro, a percepção do tempo decorrido tende a ser menos certa e apurada, sendo relevante qual impressão vem primeiro. Assim, Exner[17] constatou que o menor intervalo perceptível seria, em segundos:

Da visão para o tato 0.071
Do tato para a visão 0.053
Da visão para a audição 0.16
Da audição para a visão 0.06
De um ouvido para o outro 0.064

Ser consciente de um intervalo de tempo é uma coisa; discernir se ele é mais curto ou mais longo do que outro intervalo é uma coisa diferente. Temos uma quantidade de dados experimentais que nos dão uma medida do apuro dessa última percepção. O problema concerne à menor diferença entre dois tempos que podemos perceber.

A diferença encontra-se em seu mínimo quando os próprios tempos são muito curtos. Exner[18], reagindo o mais rápido possível com seu pé a um sinal visto pelo olho (uma faísca), notou todas as reações que lhe pareciam vagarosas ou rápidas em sua produção. Julgou, então, que desvios da média com cerca de 1/100 de segundo para mais ou para menos foram corretamente notados por ele na ocasião. A média era aqui 0.1840′′. Hall e Jastrow escutaram os intervalos entre os cliques de seus equipamentos. Entre dois intervalos iguais de 4.27′′ cada, foi incluído um intervalo intermediário, o qual poderia ser tornado mais curto ou mais longo do que os extremos. “Depois que a série foi escutada duas ou mesmo três vezes, frequentemente não existia nenhuma impressão da magnitude relativa do intervalo intermediário, e apenas depois de ouvir a quarta e última [repetição da série] o juízo se inclinaria para o mais ou o menos. Inserir o intervalo variável entre dois intervalos invariáveis e similares facilitou enormemente o juízo, muito menos preciso entre dois termos dissimilares.”[19] Nesses experimentos, três observadores não cometeram qualquer erro quando o intervalo intermediário variava 1/60 dos extremos. Quando variava 1/120 ocorriam erros, mas eram poucos. Isso faria que a diferença mínima absoluta fosse percebida com uma extensão de até 0.355′′.

Essa diferença absoluta mínima, é claro, aumenta na medida em que os tempos comparados sejam ampliados. Tentou-se verificar qual sua proporção [ratio] em relação aos próprios intervalos temporais. De acordo com a ‘Lei Psicofísica’ de Fechner, ela deve manter sempre a mesma proporção. Vários observadores, contudo, constataram que esse não é o caso.[20] Pelo contrário, oscilações muito interessantes na precisão do juízo e na direção do erro – oscilações dependentes da quantidade absoluta dos tempos comparados – foram notadas por todos que realizaram experimentos sobre a questão. Pode-se dar uma breve descrição deles.

Em primeiro lugar, em toda lista de intervalos submetidos a experimentos será constatado o que Vierordt denomina um ‘ponto de indiferença’; vale dizer, um intervalo que julgamos com máxima precisão, um tempo que tendemos a estimar nem mais longo nem mais curto do que realmente é, e a partir do qual, em ambas as direções, os erros crescem em tamanho.[21] Esse tempo varia de um observador a outro, mas sua média é notavelmente constante, como mostra a seguinte tabela.[22]

Os tempos notados pelo ouvido e os pontos de indiferença médios (dados em segundos) foram, para

Wundt[23] 0.72
Kollert[24] 0.75
Estel (provavelmente) 0.75
Mehner 0.71
Stevens[25] 0.71
Mach[26] 0.35
Buccola (cerca de)[27] 0.40

O que é singular nessas medidas é a recorrência que apresentam, em tantos indivíduos, de cerca de três quartos de segundo como o intervalo de tempo mais fácil de apreender e reproduzir. O que é ainda mais singular é que tanto Estel quanto Mehner constataram que múltiplos desse tempo foram reproduzidos com mais precisão do que intervalos temporais de magnitude intermediária;[28] e Glass constatou certa periodicidade, com o constante incremento de 1.25 segundos, em suas observações. Pareceria, pois, haver algo como um aguçamento periódico ou rítmico de nosso sentido de tempo, cujo período variaria de algum modo de um observador para outro.

Nosso sentido de tempo, como outros sentidos, parece sujeito à lei do contraste. Nas observações de Estel, ficou bastante evidente que um intervalo soava mais curto se um longo imediatamente o precedesse, e mais longo se o oposto fosse o caso.

Como outros sentidos também, nosso sentido de tempo é aguçado com a prática. Mehner atribui quase todas as discrepâncias entre ele e outros observadores a essa causa, somente.[29]

Trechos de tempo preenchidos (com cliques sonoros) parecem mais longos do que trechos vazios da mesma duração, quando os últimos não excedem um ou dois segundos.[30] Isso nos lembra o que acontece com espaços observados com os olhos, invertendo-se quando se toma tempos mais longos. É, talvez, em conformidade com essa lei que um som alto, limitando um intervalo de tempo curto, faz com que este pareça mais longo, enquanto um som fraco o faz parecer mais curto. Ao comparar intervalos marcados por sons, temos de tomar cuidado de manter os sons uniformes.[31]

Há certo sentimento emotivo acompanhando os intervalos de tempo, como bem se sabe na música. Um sentido de pressa acompanha uma medida de rapidez, um sentido de atraso outra; e esses dois sentimentos estão em harmonia com diferentes estados de ânimo [mental moods]. Vierordt escutou séries de toques produzidos por um metrônomo em ritmos que variavam de 40 a 200 toques por minuto, e constatou que elas naturalmente caíam em sete categorias, de ‘muito devagar’ a ‘muito rápida’.[32] Cada categoria de sentimento incluía os intervalos que se sucediam no interior de certa faixa de velocidade, excluindo o restante. Trata-se de um juízo qualitativo, não um juízo quantitativo – trata-se, de fato, de um juízo estético. A categoria intermediária, de uma velocidade neutra ou, como ele a chama, ‘adequada’, continha intervalos que foram agrupados em cerca de 0.62 segundos, e que segundo Vierordt consistiria no que quase se poderia chamar de um intervalo temporal agradável.[33]

O sentimento de tempo e tonicidade na música, de ritmo, é inteiramente independente do de melodia. Músicas com ritmo marcado podem ser facilmente reconhecidas com um mero tamborilar de dedos sobre a mesa.

Não temos um sentido para o tempo vazio

Embora subdividir o tempo em ritmos de sensação [beats of sensation] ajude em nosso conhecimento preciso da quantidade de tempo decorrido, tal subdivisão não parece, à primeira vista, essencial à nossa percepção de seu fluir [flow]. Sentemos de olhos fechados e, abstraindo inteiramente do mundo exterior, atentemos exclusivamente à passagem do tempo, como alguém que desperta, como diz o poeta, “para escutar o tempo fluindo no meio da noite, e todas as coisas movendo-se para um dia de ruína”. Parece não haver, sob tais circunstâncias, nenhuma variedade no conteúdo material de nosso pensamento, e o que notamos parece ser, se tanto, a pura série de durações como que brotando e crescendo sob nosso olhar, que se volta para dentro. É assim mesmo ou não? A questão é importante, pois, sendo a experiência o que grosso modo parece, temos uma espécie de sentido especial para o tempo puro – um sentido para o qual a duração vazia é um estímulo adequado; ao passo que, tratando-se de uma ilusão, nossa percepção do tempo fugindo, nas experiências citadas, só pode dever-se ao preenchimento do tempo e à nossa memória de um conteúdo em num momento precedente, e que sentimos concordar ou discordar com seu conteúdo agora.

É preciso apenas um pequeno esforço de introspecção para mostrar-se que a última alternativa é a verdadeira e que não podemos intuir uma duração, não mais do que poderíamos intuir uma extensão, desprovida de todo conteúdo sensível. Assim como, de olhos fechados, percebemos um campo visual escuro no qual transcorre sem cessar um tremeluzir bruxuleante, assim também, não estivéssemos tão absortos em distintas impressões externas, estaríamos sempre imersos interiormente no que Wundt chamou em algum lugar de zona cinzenta de nossa consciência geral. As batidas de nossos corações, nossa respiração, os pulsos de nossa atenção, fragmentos de palavras ou sentenças que atravessam nossa imaginação, são o que povoa esse turvo habitat. Ora, todos esses processos são rítmicos e, enquanto ocorrem, são apreendidos por nós em sua totalidade; a respiração e os pulsos da atenção, como sucessões coerentes, cada qual com sua ascensão e queda; de maneira similar as batidas do coração, apenas relativamente bem mais breves; as palavras, não separadamente, mas em grupos conectados. Em suma, esvaziemos nossas mentes como for, resta alguma forma de processo cambiante para sentirmos, o qual não pode ser suprimido. E o sentido do processo e de seu ritmo é acompanhado pelo sentido da magnitude de tempo em que dura. A consciência da mudança é, portanto, a condição da qual depende nossa percepção do fluir do tempo; mas não há razão para supor que mudanças do próprio tempo vazio sejam suficientes para a consciência da mudança ser despertada. A mudança deve ser de algum tipo concreto – uma série sensível externa ou interna, ou um processo de atenção ou volição.[34]

E aqui temos novamente uma analogia com o espaço. A mais primitiva forma de percepção espacial distinta é sem dúvida a de um movimento sobre uma de nossas superfícies sensíveis, e esse movimento é originalmente dado como um todo simples de sentimento, sendo decomposto em seus elementos – posições sucessivas ocupadas sucessivamente pelo corpo que se move – apenas quando nossa educação em discriminação está muito avançada. Mas um movimento é uma mudança, um processo; vemos, assim, que tanto no mundo temporal [time-world] quanto no mundo espacial [space-world] as primeiras coisas conhecidas não são elementos, mas combinações, não unidades separadas, mas todos já formados. A condição de ser dos todos pode ser os elementos; mas a condição do conhecermos os elementos é termos já sentido os todos como todos.

Na experiência de assistir ao tempo vazio fluindo – devendo-se doravante tomar ‘vazio’ no sentido relativo recém-apresentado –, nós o dividimos em pulsos. Dizemos ‘agora! agora! agora!’, ou contamos ‘mais! mais! mais!’, enquanto o sentimos brotar. Essa composição a partir de unidades de duração é chamada de lei do fluxo discreto [discrete flow] do tempo. O caráter discreto, contudo, deve-se meramente ao fato de que nossos atos sucessivos de reconhecimento ou apercepção do que é são discretos. A sensação é tão contínua quanto qualquer sensação pode ser. Todas as sensações contínuas são nomeadas em pulsações. Notamos que certo ‘mais’ finito delas está passando ou já passou. Para adotar a imagem de Hodgson, a sensação é a fita métrica, enquanto a percepção é a máquina divisora que imprime nela seu comprimento. Enquanto escutamos um som constante, nós o apreendemos em pulsos discretos de reconhecimento, denominando-o sucessivamente ‘o mesmo! o mesmo! o mesmo!’. Com o tempo não é diferente.

Após um pequeno número de pulsações nossa impressão da quantidade que discriminamos torna-se bastante vaga. Nossa única maneira de conhecê-la precisamente é contando, ou atentando ao relógio, ou através de alguma outra concepção simbólica.[35] Quando os tempos excedem horas ou dias, a concepção é absolutamente simbólica. Pensamos na quantidade que temos em vista seja somente como um nome, ou percorrendo algumas poucas datas salientes nela, sem a pretensão de imaginar as durações inteiras que residem entre elas. Ninguém tem algo como uma percepção da magnitude de tempo entre agora e o século primeiro como sendo maior do que aquela entre agora e o século décimo. A um historiador, é verdade, o intervalo mais longo sugerirá uma gama de datas e eventos adicionais, parecendo então uma coisa mais variegada. E pela mesma razão a maioria das pessoas pensará que percebe diretamente a magnitude da última quinzena como excedendo a da última semana. Mas não há propriamente qualquer intuição temporal comparativa nesses casos. Trata-se apenas de datas e eventos, representando o tempo, sua abundância simbolizando sua magnitude. Estou certo de que é assim mesmo quando os tempos comparados não ultrapassam uma hora na sua magnitude. Dá-se o mesmo com Espaços de muitas milhas, que sempre comparamos um com o outro através dos números com os quais os medimos.[36]

Passamos naturalmente disso para o tratamento de certas variações naturais em nossa estimativa de magnitudes de tempo. Em geral, um tempo preenchido com experiências variadas e interessantes parece curto em sua passagem, mas longo quando olhamos para trás. Por outro lado, um período de tempo vazio em experiências parece longo em sua passagem, mas curto em retrospecto. Uma semana de viagem e passeios pode delimitar um ângulo na memória mais similar a três semanas; e um mês de doença dificilmente produz mais memórias do que um dia. Em retrospecto, a magnitude obviamente depende da diversidade das memórias proporcionada pelo tempo. Muitos objetos, eventos, mudanças, muitas subdivisões, imediatamente expandem a visão quando olhamos para trás. O vazio, a monotonia, a familiaridade, a faz encolher. Em ‘Vagabundos’, de Von Holtei, um certo Anton é descrito revisitando seu vilarejo natal.

“Sete anos”, exclama ele, “sete anos desde que fugi! Mais parecem setenta, de tanto que aconteceu. Não posso pensar nisso tudo sem sentir tonturas – não agora, pelo menos. E ainda assim, quando olho o vilarejo, a torre da igreja, parece como se não tivesse estado fora nem sete dias.”

O Prof. Lazarus[37] (de quem tomo de empréstimo essa citação), explica assim ambas as ilusões contrastantes mediante nosso princípio das memórias evocadas serem inúmeras ou poucas:

“O círculo das experiências, amplamente estendido, rico em variedade, que ele tinha em vista no dia em que deixou o vilarejo surge agora em sua mente quando a sua imagem está diante dele. E com ele – em rápida sucessão e violento movimento, não em ordem cronológica, ou por motivações cronológicas, mas sugerindo uma a outra por toda espécie de conexões – surgem massivamente imagens de sua rica vida de errância e vagabundagem. Elas rolam e acenam conjuntamente em uma confusão, primeiramente, talvez, do primeiro ano, então do sexto, em seguida do segundo, novamente do quinto, do primeiro, etc., até parecer que devam ser setenta anos, e ele se abala com a abundância de sua visão. . . . Então o olho interior afasta-se de todo esse passado. O olho externo volta-se para o vilarejo, especialmente para a torre da igreja. A visão dela revoca a visão antiga dela, e assim a consciência é preenchida somente com ela, ou quase somente. Uma visão é ela própria comparada com a outra, e parece tão próxima, tão inalterada, que parece como se apenas uma semana de tempo tivesse passado entre as duas.”

O mesmo espaço de tempo parece mais curto conforme envelhecemos – isto é, os dias, os meses e os anos assim parecem; se as horas também, é de se duvidar, e os minutos e segundos, ao que tudo parece, permanecem em torno do mesmo.

“Quem quer que conte muitos lustros em sua memória precisa apenas perguntar-se para constatar que o último deles, os últimos cinco anos, passaram muito mais rapidamente do que os períodos anteriores de igual tamanho. Que qualquer um lembre de seus últimos oito ou dez anos de escola: é o espaço de um século. Compare-os aos últimos oito ou dez anos de vida: é o espaço de uma hora.”

Assim escreve o Prof. Paul Janet[38], que dá uma solução que dificilmente diríamos diminuir o mistério. Há uma lei, diz ele, pela qual a magnitude aparente de um intervalo em dada época da vida de um homem é proporcional à magnitude total da própria vida. Uma criança de 10 anos sente um ano como 1/10 de sua inteira vida – um homem de 50 como 1/50, enquanto a vida inteira aparentemente preserva uma magnitude constante. Essa fórmula expressa de maneira aproximada os fenômenos, é verdade, mas não há possibilidade de ser uma lei psíquica elementar; e é certo que, em grande parte pelo menos, o encurtamento dos anos enquanto envelhecemos se deva à monotonia do conteúdo da memória e a consequente simplificação da visão retrospectiva. Na juventude podemos ter uma experiência absolutamente nova, subjetiva ou objetiva, a cada hora do dia. A apreensão é vívida, a capacidade de retenção é forte e nossa recordação daquele tempo, como as de um tempo gasto em uma viagem rápida e interessante, são de algo intrincado, diverso e prolongado. Mas enquanto cada ano que passa converte parte dessa experiência em uma rotina automática que dificilmente chegamos a notar, os dias e as semanas se apagam na recordação como unidades sem conteúdo, e os anos se esvaziam e colapsam.

Isso basta a respeito do aparente encurtamento de intervalos de tempo em retrospecto. Eles encurtam durante sua passagem sempre que estamos tão plenamente ocupados com seu conteúdo que não notamos o próprio tempo efetivo. Diz-se de um dia cheio de excitação, sem pausas, que ele passa ‘antes que saibamos’. Em contraponto, um dia cheio de espera, de desejo insatisfeito por mudança, parecerá uma pequena eternidade. Taedium, ennui, Langweile, boredom, tédio, são palavras para as quais, provavelmente, toda a língua conhecida pelo homem tem seu equivalente. Surge sempre que, a partir da relativa vacuidade do conteúdo de um período de tempo, vamos nos tornando mais atentos à própria passagem do tempo. Na expectativa de que novas impressões se sucedam, e em prontidão para tal, quando elas deixam de ocorrer ficamos com um tempo vazio em seu lugar, e tais experiências, renovadas sem cessar, nos tornam formidavelmente conscientes da extensão do mero tempo ele mesmo.[39] Feche seus olhos e simplesmente espere ouvir alguém dizer-lhe que se passou um minuto. Parece incrível o quanto se arrasta essa experiência. Você se afunda em seu interior como naquela interminável primeira semana de uma viagem em alto mar, e se descobre perguntando como pode a história ter superado tantos períodos como esse em seu curso. Tudo porque você atenta tão de perto ao mero sentimento do tempo per se, e porque sua atenção a ele é suscetível de uma subdivisão sucessiva tão detalhada. O caráter repulsivo da experiência como um todo advém de sua qualidade insípida; pois a excitação é o requisito indispensável do prazer em uma experiência, e o sentimento do tempo nu é a experiência menos excitante que podemos ter.[40] A sensação de tédio, diz Volkmann, é um protesto contra o inteiro presente.

Variações exatamente paralelas ocorrem em nossa consciência do espaço. Uma estrada na qual retornamos a pé, na esperança, a cada passo, de encontrar um objeto que deixamos cair, parece-nos mais longa do que quando caminhamos por ela no sentido oposto. Um espaço que medimos por passos parece mais longo do que quando o percorremos sem pensar em seu comprimento. E, de modo geral, uma quantidade de espaço à qual atentamos em si mesma nos deixa com uma impressão maior de amplidão do que um espaço do qual notamos apenas o conteúdo.[41]

Não digo que tudo nessas flutuações de estimativa possa ser explicado pelo fato de o conteúdo do tempo ser interessante e repleto de elementos, ou simples e monótono. Tanto no encurtamento do tempo pela velhice quanto em sua ampliação pelo fastio uma causa mais profunda pode estar presente. Essa causa só pode ser verificada, se é que existe, descobrindo-se por que afinal percebemos o tempo. Que procedamos, embora sem muita esperança, a essa investigação.

O sentimento do passado é um sentimento presente

Se perguntados por que percebemos a luz do sol, ou o som de uma explosão, respondemos: “Porque certas forças externas, ondas de éter ou de ar, atingem o cérebro e despertam nele mudanças às quais respondem as percepções conscientes, luz e som”. Mas nos apressamos a acrescentar que nem a luz nem o som copiam ou espelham as ondas de éter ou de ar; eles as representam apenas simbolicamente. O único caso, diz Helmholtz, em que ocorre tal cópia, e no qual

“nossas percepções podem verdadeiramente corresponder à realidade externa, é o da sucessão temporal dos fenômenos. Simultaneidade, sucessão e o retorno regular da simultaneidade ou da sucessão podem se dar tanto nas sensações quanto em eventos externos. Os eventos, assim como nossas percepções deles, têm lugar no tempo, de sorte que as relações temporais das últimas podem fornecer uma verdadeira cópia das dos primeiros. A sensação do trovão segue a sensação do relâmpago da mesma maneira que a agitação sonora do ar pela descarga elétrica alcança o lugar do observador depois da do éter luminífero.”[42]

Ao trilhar reflexões como essas, alguém pode experimentar um impulso quase instintivo de segui-las até um tipo de conclusão especulativa crua, pensando ter finalmente descoberto o mistério da cognição, quando, para usar uma expressão vulgar, ‘o cobertor é curto’. O que seria mais natural, diríamos, do que as sequências e durações das coisas por necessidade se fazerem conhecidas? A sucessão das forças externas imprime a si mesma no cérebro como uma sequência equivalente. As mudanças sucessivas no cérebro são copiadas de maneira exata pelos correspondentes pulsos sucessivos do fluxo mental. O fluxo mental, sentindo a si mesmo, deve sentir as relações temporais de seus próprios estados. Mas como estes são cópias de relações temporais externas, ele deve conhecê-las também. Vale dizer, estas últimas relações temporais fazem surgir sua própria cognição; ou, em outras palavras, a mera existência do tempo nas mudanças fora da mente que afetam a mente é uma causa suficiente de o tempo ser percebido pela mente.

Infelizmente, essa filosofia é demasiado crua. Mesmo que fôssemos conceber as sucessões externas como forças que imprimem sua imagem no cérebro e as sucessões do cérebro como forças imprimindo sua imagem na mente[43], ainda assim, entre as próprias mudanças da mente serem sucessivas e ela conhecer sua própria sucessão há um abismo tão largo quanto entre o objeto e o sujeito em qualquer caso de cognição no mundo. Uma sucessão de sentimentos, em si e por si mesma, não é um sentimento de sucessão. E uma vez que se adiciona aos sentimentos sucessivos um sentimento de sua própria sucessão, isso deve ser tratado como um fato adicional que requer sua própria elucidação especial, que essa conversa sobre relações temporais externas imprimindo cópias de si mesmas interiormente deixa por completo intocada.

Mostrei no início do artigo[44] que o que é passado, para ser conhecido como passado, deve ser conhecido com o que é presente e durante o presente momento do tempo. Como a compreensão clara desse ponto tem alguma importância, permitam-me, correndo o risco de repetição, voltar a ele novamente. Volkmann expressou a matéria admiravelmente, como segue:

“Alguém poderia ser tentado a responder à questão da origem da ideia de tempo simplesmente apontando para a cadeia de ideias, cujos vários membros, começando pelo primeiro, sucessivamente adquirem plena clareza. Mas contra isso deve-se objetar que as ideias sucessivas não são ainda a ideia de sucessão, porque a sucessão no pensamento não é o pensamento da sucessão. Se a ideia A segue a ideia B, a consciência simplesmente troca uma pela outra. Que B venha depois de A é para a nossa consciência um fato não-existente; pois esse depois não é dado nem em B nem em A; e não se supôs nenhuma terceira ideia. O pensamento da sucessão de B em relação a A é um pensamento de espécie diferente do pensamento que nos deu a conhecer A e então nos deu a conhecer B; e essa primeira espécie de pensamento não está presente enquanto meramente o pensamento de A e o pensamento de B estiverem presentes. Em suma, quando olhamos para a matéria de maneira precisa, chegamos a esta antítese, que se A e B forem representados como ocorrendo em sucessão eles devem ser representados simultaneamente; se formos pensar sobre eles como um depois do outro, devemos pensar em ambos de uma única vez.”[45]

Se representarmos o efetivo fluxo temporal de nosso pensamento mediante uma linha horizontal, o pensamento do fluxo ou de qualquer segmento de sua magnitude, passado, presente ou porvir, poderia ser figurado com uma linha perpendicular traçada sobre a horizontal em certo ponto. O comprimento dessa linha perpendicular está por certo objeto ou conteúdo, o qual, nesse caso, é o tempo sobre o qual se pensa, bem como tudo o que se pense conjuntamente no momento efetivo do fluxo sobre o qual se traça a linha perpendicular. O Sr. James Ward expressa a questão muito bem em seu magistral artigo ‘Psicologia’ [‘Psychology’] na nona edição da Enciclopédia Britânica, página 64. Ele diz:

“Se representarmos a sucessão como uma linha, podemos representar a simultaneidade como uma segunda linha em um ângulo reto com a primeira; o tempo vazio – ou comprimento temporal sem largura temporal, podemos dizer – é uma mera abstração. Ora, é com a primeira linha que temos de lidar ao tratar do tempo como ele é, e com a última ao tratar de nossa intuição do tempo, onde, assim como em uma representação perspectiva de distância, estamos confinados a linhas em um plano em um ângulo reto com a efetiva linha de profundidade. Em uma sucessão de eventos, digamos de impressões sensíveis A B C D E [. . .], a presença de B significa a ausência de A e C, mas a presentação dessa sucessão envolve a presença simultânea, de um modo ou outro, de duas ou mais dentre as presentações A B C D. Na realidade, passado, presente e futuro são diferenças no tempo, mas na presentação tudo o que corresponde a essas diferenças encontra-se simultaneamente na consciência.”

Há, pois, uma espécie de projeção perspectiva de objetos passados sobre a consciência presente, similar à de uma paisagem ampla sobre a tela de uma câmera.

E como vimos há pouco que nossa máxima intuição distinta da duração dificilmente cobre mais do que doze segundos (ao passo que nossa máxima intuição vaga provavelmente não ultrapassa um minuto), devemos supor que essa quantidade de duração é retratada de maneira contínua em cada instante passageiro de consciência, em virtude de alguma qualidade constante do processo cerebral ao qual a consciência está vinculada. Essa qualidade do processo cerebral, seja qual for, deve ser a causa de percebermos o fato mesmo do tempo.[46] A duração percebida dessa maneira contínua dificilmente é maior do que o ‘presente especioso’, como designado poucas páginas atrás. Seu conteúdo está em um fluxo constante, com eventos aparecendo em sua face posterior tão rápido quanto desaparecem em sua face anterior, cada um dos quais mudando seu coeficiente temporal de ‘não ainda’ ou ‘não bem ainda’ para ‘o que se deu’ ou ‘o que recém se deu’ enquanto passa. Enquanto isso, o presente especioso, a duração intuída, é o que permanece, como o arco-íris sobre a cachoeira, com sua qualidade própria inalterada pelos eventos que transcorrem através dele. Cada um desses eventos, enquanto se esquiva, retém seu poder de ser reproduzido; e quando reproduzido, é reproduzido com a duração e os vizinhos que originalmente tinha. Por favor observe, contudo, que a reprodução de um evento, depois de ele ter completamente se evadido da extremidade anterior do presente especioso, é um fato psíquico inteiramente diferente de sua percepção direta no presente especioso, como uma coisa imediatamente passada. Uma criatura pode ser inteiramente desprovida de memória reprodutiva e, ainda assim, ter um sentido de tempo; mas o último seria limitado, nesse caso, aos poucos segundos que imediatamente transcorrem. Um tempo mais remoto que esse nunca seria recordado. Eu pressuponho a reprodução no texto por estar falando de seres humanos, que notoriamente a possuem. Assim, a memória se vê pontuada por coisas datadas – datadas no sentido de se encontrarem em relações de antes ou depois umas com as outras.[47] A data de uma coisa é meramente uma relação de antes ou depois entre ela e a coisa presente, ou alguma coisa passada ou futura. Datamos algumas coisas simplesmente as lançando mentalmente na direção do passado ou do futuro. Assim, no caso do espaço, pensamos na Inglaterra simplesmente como ao leste, ou em Charleston ao sul. No entanto, podemos datar um evento de maneira exata, fixando-o entre dois termos explicitamente concebidos de uma série passada ou futura, da mesma forma que podemos pensar acuradamente na Inglaterra ou em Charleston como estando exatamente a tantas e tantas milhas de distância.[48]

As coisas e os eventos assim datados de maneira vaga ou exata tornam-se daí em diante aqueles signos e símbolos de espaços temporais mais longos, dos quais falamos anteriormente. Na medida em que pensamos em muitos deles, ou em poucos, imaginamos o tempo que representam como longo ou curto. Mas o protótipo e paradigma original de todos os tempos concebidos é o presente especioso, de cuja curta duração somos imediata e incessantemente sensíveis.

A qual processo cerebral se deve o sentido de tempo?

Agora bem, a qual elemento do processo cerebral poderia dever-se essa sensibilidade? Ela não pode, como vimos, dever-se à mera duração do processo, ela mesma; tem de dever-se a um elemento presente em cada momento do processo, e esse elemento deve ter o mesmo tipo inescrutável de relação com seu sentimento correlato que todos os outros elementos da atividade neural têm com seus produtos psíquicos, sejam quais forem. Foram feitas muitas sugestões acerca de qual seria esse elemento no caso do tempo. Tratando delas em uma nota,[49] tentarei expressar sucintamente a única conclusão que parecer emergir de um estudo delas e dos fatos – a despeito de quão imatura seja essa conclusão.

Os fenômenos de ‘soma de estímulos’ no sistema nervoso provam que cada estímulo deixa para trás certa atividade latente que se dissipa apenas gradualmente. (Ver capítulo III.) Prova psicológica do mesmo fato é proporcionada pelas ‘imagens residuais’ que percebemos logo que se esvai um estímulo sensorial. Podemos discernir peculiaridades na imagem residual deixada nos olhos por um objeto, as quais não logramos notar no original. Podemos ‘evocar um som’ e compreender seu significado vários segundos após ter cessado. Atrase-se um minuto, porém, e emudecerão o eco mesmo do relógio ou a questão; as sensações presentes foram expulsas sem recuperação possível. Ou, para expressá-lo em termos neurais, a cada momento há um acúmulo de processos cerebrais que se sobrepõem uns aos outros, dos quais os mais fracos são as fases desfalecentes de processos que há pouco estavam ativos em grau máximo. A quantidade de sobreposição determina o sentimento da duração ocupada. Quais eventos parecerão ocupar a duração depende apenas de quais processos são os processos em sobreposição. Sabemos tão pouco da natureza profunda da atividade cerebral que mesmo em se tratando de uma sensação que persiste monotonamente não podemos dizer que seus momentos anteriores não deixam para trás processos desvanecentes [fading], coexistentes com os do presente. Duração e eventos formam em conjunto nossa intuição do presente especioso, com o conteúdo que ele tenha.[50] Não pretendo explicar por que tal intuição deve resultar de tal combinação de processos cerebrais. Tudo o que pretendo fazer é estabelecer a forma mais elementar da conjunção psicofísica.

Tomei por suposto que os processos cerebrais são processos sensórios. Processos de atenção ativa (ver a explanação de Ward na longa nota de rodapé) deixarão para trás processos cerebrais desvanecentes similares. Se os processos mentais são conceituais, introduz-se uma complicação da qual falarei em um momento. Enquanto isso, ainda falando de processos sensórios, uma observação de Wundt lançará uma luz adicional sobre minha explicação. Como se sabe, Wundt e outros provaram que todo ato de percepção de um estímulo sensório ocupa um tempo considerável. Quando dois estímulos diferentes – p. ex., uma visão e um som – são dados de uma única vez ou quase de uma única vez, temos dificuldade de atentar a ambos e podemos julgar erroneamente seu intervalo, ou mesmo inverter sua ordem. Ora, como resultado de seus experimentos sobre tais estímulos, Wundt estabelece esta lei[51]: que das três possíveis determinações que podemos fazer de sua ordem,

“a saber, simultaneidade, transição contínua e transição descontínua – apenas a primeira e a última são apercebidas, nunca a segunda. Invariavelmente, quando deixamos de perceber as impressões como simultâneas, notamos um tempo vazio mais curto ou mais longo entre elas, que parecem corresponder ao desaparecimento de uma das ideias e ao surgimento da outra. [. . .] Pois nossa atenção pode se dividir igualmente entre duas impressões, que irão então compor um percepto total [e ser sentidas simultaneamente]; ou pode aderir de tal modo a um evento que cause sua imediata percepção, com o segundo evento podendo então ser percebido apenas após certo tempo de latência, durante o qual a atenção alcança seu máximo efetivo para ele e diminui para o primeiro evento. Nesse caso, os eventos são percebidos como dois e em ordem sucessiva – isto é, como separados por um intervalo de tempo no qual a atenção não está suficientemente acomodada a nenhum deles para produzir uma percepção distinta. [. . .] Enquanto nos apressamos de um para o outro, tudo o que esteja entre eles se desvanece na zona cinzenta da consciência geral.”[52]

Pode-se denominá-la a Lei da sucessão descontínua no tempo dos perceptos aos quais não podemos facilmente atentar de uma só vez. Cada percepto requer, então, um processo cerebral separado; e quando um processo cerebral está em seu máximo, o outro parece forçosamente estar em uma fase decrescente ou crescente. Se nossa teoria do sentimento de tempo é verdadeira, o tempo vazio deve, então, aparecer separando os dois perceptos, não importa o quão próximos um do outro possam objetivamente estar; pois, de acordo com a teoria, o sentimento de uma duração de tempo é o efeito imediato de tal sobreposição de processos cerebrais de diferente fase – não importa onde ocorram e qual seja sua causa.

Passando agora a processos conceituais: Suponha que eu penso na Criação, depois na Era Cristã, depois na Batalha de Waterloo, tudo em poucos segundos. Essas ocorrências têm datas muito distantes do presente especioso. Todavia, todos os processos pelos quais as penso se sobrepõem. Quais eventos, então, parece conter o presente especioso? Simplesmente meus sucessivos atos de pensar sobre essas coisas remotas, não as próprias coisas remotas. Assim como o pensamento presente neste instante pode ser sobre uma coisa em um passado remoto, assim também o pensamento recém-decorrido pode ser sobre outra coisa em um passado remoto. Quando um evento em um passado remoto é reproduzido na memória e concebido com sua data, a reprodução e a concepção atravessam o presente especioso. O conteúdo imediato do último é, portanto, todas as minhas experiências diretas, sejam subjetivas ou objetivas. Algumas delas, enquanto isso, podem ser representativas de outras experiências indefinidamente remotas.

O número de tais experiências diretas que o presente especioso e o passado imediatamente intuído podem abarcar é a medida da extensão de nossa memória ‘primária’, como designa Exner, ou nossa memória ‘elementar’, como Richet a chama.[53] A sensação resultante da sobreposição é a sensação da duração que as experiências parecem preencher. Supomos que a relação entre a magnitude daquela duração e a dessa duração é proporcional à relação entre o número de qualquer conjunto maior de eventos e o dessas experiências. Da duração mais longa, porém, não possuímos qualquer ‘sentido percipiente’ [realizing sense] direto. As variações em nossa apreciação da mesma quantidade de tempo real poderiam ser explicadas por alterações na velocidade com que as imagens se desvanecem, produzindo mudanças na complicação de processos superpostos, às quais poderiam corresponder mudanças em estados de consciência. Mas não importa quão longo possamos conceber um espaço de tempo, a quantidade objetiva dele que é diretamente percebida por nós em qualquer momento dado nunca pode exceder o escopo de nossa ‘memória primária’ no momento em questão.[54]

Temos todas as razões para pensar que pode haver enormes diferenças nas grandezas de duração que criaturas intuitivamente sentem, bem como na fineza dos eventos que podem preenchê-la. Von Baer dedicou-se a interessantes cálculos do efeito de tais diferenças na alteração de aspecto da Natureza.[55] Suponhamos que fôssemos capazes de notar distintamente 10.000 eventos em um segundo, em vez de, quando muito, como agora, 10; se nossa vida fosse então destinada a ter o mesmo número de impressões, seria 1000 vezes mais curta. Deveríamos viver menos de um mês, e pessoalmente nunca conhecer a mudança das estações. Se nascidos no inverno, deveríamos acreditar no verão como agora acreditamos nos calores da Era Carbonífera. Os movimentos dos seres orgânicos pareceriam tão lentos aos nossos sentidos que seriam inferidos, não vistos. O sol ficaria parado no céu, a lua quase desprovida de mudança, e assim por diante. Mas invertam agora a hipótese e suponham um ser que tem apenas uma milésima parte das sensações que temos em um dado tempo, e em consequência viva 1000 vezes mais tempo. Os invernos e verões serão para ele como quartos de hora. Cogumelos e plantas de crescimento rápido irromperiam na existência tão velozmente que pareceriam criações instantâneas; arbustos de ciclo anual surgiriam e desapareceriam da terra como gêiseres; os movimentos dos animais seriam tão invisíveis quanto para nós são os movimentos de projéteis e balas de canhão; o sol rasgaria o céu como um meteoro, deixando um rastro incandescente atrás dele, etc. Seria precipitado negar que tais casos imaginários (excluindo a longevidade sobre-humana) poderiam ocorrer em algum lugar do reino animal.

Diz Spencer que

“as asas de um mosquito dão dez a quinze mil batidas por segundo. Cada batida envolve uma ação nervosa separada. Cada uma dessas ações nervosas ou mudanças em centros nervosos é provavelmente tão apreciável pelo mosquito como é, por um homem, um rápido movimento de seu braço. E se isso, ou algo assim, é um fato, então o tempo ocupado por uma dada mudança externa, medido por muitos movimentos em um caso, deve parecer muito mais longo do que no outro caso, quando medido por um único movimento.”[56]

Na intoxicação por haxixe há uma curiosa dilatação de perspectiva temporal aparente. Enunciamos uma sentença e antes de chegarmos ao fim o início já parece datar de muitos tempos atrás. Entramos em uma rua pequena e é como se nunca fôssemos chegar ao seu fim. Poderíamos conceber essa alteração como resultante de uma aproximação à condição dos seres de vida breve de Von Baer e Spencer. Se nossa discriminação de sucessões se tornasse tão mais detalhada que notássemos 10 estágios em um processo quando antes notávamos um; e se, ao mesmo tempo, os processos se desvanecessem dez vezes mais rápido do que antes; teríamos um presente especioso com a mesma magnitude subjetiva de agora, dando-nos o mesmo sentimento temporal e contendo a mesma quantidade de eventos sucessivos distinguíveis, mas de sua margem anterior teriam sido retirados nove décimos dos eventos reais que ora contém. Eles teriam caído no reservatório geral de memórias meramente datadas, reprodutíveis à vontade. O começo de nossas sentenças teria de ser expressamente recordado; cada palavra pareceria passar pela consciência num décimo de sua velocidade usual. As condições seriam, em suma, exatamente análogas à ampliação do espaço por um microscópio; menos coisas reais de uma só vez no campo imediato de visão, mas cada uma ocupando mais do que seu espaço normal, fazendo com que as excluídas pareçam incomumente distantes.

Sob tais condições, os processos parecem desvanecer-se rapidamente sem que isso seja compensado pelo aumento na subdivisibilidade das sucessões. Aqui, a magnitude aparente do presente especioso se vê contraída. A consciência diminui ao nível de um ponto e perde todo o senso intuitivo de sua trajetória, de onde vem e para onde vai. Atos explícitos de memória tomam o lugar de rápidas visões panorâmicas. Em meu próprio caso, algo como isso ocorre na fadiga extrema. Longas enfermidades produzem o mesmo. Ocasionalmente, essa condição parece acompanhar a afasia.[57] Seria vão tentar imaginar a exata mudança cerebral envolvida em cada um desses casos. Mas devemos admitir a possibilidade de, em alguma medida, as variações de estimativa temporal entre a juventude e a maturidade, entre a excitação e o tédio, deverem-se a causas similares de maneira mais imediata do que lhes atribuímos algum tempo atrás.

Mas quer nosso sentimento do tempo que eventos imediatamente passados[58] ocuparam seja de algo longo ou de algo curto, ele não é o que é porque tais eventos são passados, mas porque eles legaram processos que são presentes. A mente continuaria a responder a tais processos, como quer que tenham sido causados, sentindo um presente especioso, com uma parte dele dissipando-se ou dissipada no passado. Assim como o Criador teria feito Adão com um umbigo – sinal de um nascimento nunca ocorrido –, assim também Ele poderia instantaneamente fazer um homem com um cérebro no qual se dariam processos idênticos aos processos ‘desvanecentes’ de um cérebro comum. O primeiro estímulo real depois da criação daria início a um processo que se acrescentaria a eles. Os processos se sobreporiam; e o homem recém-criado inquestionavelmente teria o sentimento, no instante primevo de sua vida, de já estar existindo por algum diminuto espaço de tempo.

Deixem-me resumir, agora, dizendo que estamos constantemente conscientes de certa duração – o presente especioso – que varia em magnitude de uns poucos segundos a provavelmente não mais que um minuto, e que essa duração (com seu conteúdo percebido como tendo uma parte anterior e a outra posterior) é a intuição original do tempo. Tempos mais longos são concebidos como acrescentando, tempos mais curtos como dividindo, porções dessa unidade vagamente delimitada, sendo habitualmente pensados por nós de forma simbólica. A noção de Kant, de uma intuição do tempo objetivo como um contínuo infinito necessário, não se sustenta em nada. A causa da intuição que realmente temos não pode ser a duração de nossos processos cerebrais ou de nossas mudanças mentais. Essa duração é antes o objeto da intuição que, realizando-se a cada momento de tal duração, tem de dever-se a uma causa permanentemente presente. Essa causa – provavelmente a presença simultânea de processos cerebrais de fase diferente – é flutuante; e disso resulta certa faixa de variação na grandeza da intuição, bem como em sua subdivisibilidade.

Notas


  1. Trata-se do capítulo XV d’Os Princípios de Psicologia (The Principles of Psychology) de William James, intitulado “The Perception of Time”, nunca antes traduzido integralmente para a língua portuguesa. Utilizamos, nesta tradução, a edição mais recente da obra de James em inglês (New York, Dover Publications, 2015), em cotejo permanente com a primeira edição (New York, Henry Holt and Company, 1890). Como o próprio James anota em seu livro, o capítulo XV reproduz “quase verbatim” o texto de um artigo de mesmo título publicado no Journal of Spectulative Philosophy, vol. 20, n. 4 (1886), pp. 374-407, também consultado por nós. O texto de James, a par da discussão de textos mais diretamente filosóficos, envolve uma larga revisão da literatura psicológica (experimental, em particular) da época, com notas de rodapé notavelmente extensas. Muitas de suas referências são cifradas e abreviadas, potencialmente perdendo-se para o leitor atual. Nossa pesquisa logrou recuperar os dados bibliográficos completos de cada uma das referências de James, inseridos nas notas entre colchetes (utilizados também para ressaltar algumas opções de tradução ao longo do texto). Quando James eventualmente marca interpolações em suas citações com o uso de colchetes, os mantivemos – pelo contexto, não restará dúvida de que pertencem ao texto original, não a observações de tradução. [Nota do tradutor] ↩︎

  2. Isto é, no presente capítulo e no capítulo XVI, “Memory”. [Nota de tradução] ↩︎

  3. James Mill, Analysis, vol. I, p. 319 (J. S. Mill’s Edition) [James Mill, Analysis of the Phenomena of the Human Mind. London: Longmans Green Reader and Dyer, 1869. Nesta citação, como em outras, James utiliza reticências (sem parênteses) para indicar omissão de parte do texto original.] ↩︎

  4. “O que descubro quando olho para a consciência é que aquilo do qual não posso desvencilhar-me, ou não ter presente à consciência, se tenho alguma consciência que seja, é uma sequência de diferentes sentimentos. . . . A percepção simultânea de ambos subsentimentos [sub-feelings], seja como partes de uma coexistência ou de uma sequência, é o sentimento total – o mínimo [minimum] de consciência – e esse mínimo possui duração. . . . A duração temporal, contudo, é inseparável do mínimo, ainda que, em um momento isolado, não possamos dizer qual parte veio primeiro, qual por último. . . . Não se requer que saibamos que os subsentimentos advêm em sequência, primeiro um, depois o outro; nem que saibamos o que significa advir em sequência. Mas possuímos, em qualquer mínimo de consciência artificialmente isolado, os rudimentos das percepções do anterior e do posterior no tempo, no subsentimento que vai se enfraquecendo e no que ganha força, e na mudança entre eles. . . .

    “Em seguida, observo que os rudimentos da memória estão envolvidos no mínimo de consciência. Os primeiros inícios dela aparecem naquele mínimo, bem como os primeiros inícios da percepção. Assim como cada membro da mudança ou diferença que venha a compor o mínimo é o rudimento de uma percepção única, assim também a prioridade de um membro em relação ao outro, embora ambos sejam dados à consciência em um único momento presente empírico, é o rudimento de uma memória. O fato de que o mínimo de consciência é diferença ou mudança em sentimentos é a explicação fundamental tanto da memória quanto de percepções singulares. Um precedente e um posterior estão contidos no mínimo de consciência; e é isso que se tenciona dizer quando se diz que toda consciência encontra-se na forma do tempo, ou que o tempo é a forma do sentir, a forma da sensibilidade. Grosseira e popularmente dividimos o curso do tempo em passado, presente e futuro; estritamente falando, porém, não há presente; [o curso do tempo] é composto de passado e futuro dividido por um ponto indivisível ou instante. Esse instante, ou ponto temporal, é o presente estrito. O que chamamos livremente de presente é uma porção empírica do curso do tempo que contém ao menos um mínimo de consciência, no qual o instante de mudança é o ponto temporal [time-point] presente. . . . Se tomarmos isso como o ponto temporal presente, fica claro que o mínimo do sentimento contém duas porções – um subsentimento que se vai e um subsentimento que chega. Um é lembrado, o outro imaginado. Os limites de ambos são indefinidos no começo e no fim do mínimo, e prontos a fundir-se com outros mínimos que provenham de outros estímulos.

    “O tempo e a consciência não chegam a nós já demarcados em mínimos; temos de fazê-lo por reflexão, perguntando-nos nós mesmos: Qual é o momento empírico mínimo de consciência? Esse momento empírico mínimo é o que usualmente chamamos de momento presente; e mesmo ele é diminuto demais para uso ordinário; o momento presente é com frequência estendido na prática a uns poucos segundos, ou mesmo minutos, para além dos quais especificamos qual magnitude [length] de tempo temos em vista, como a presente hora, ou o presente dia, ou ano, ou século.

    “Mas essa maneira popular de pensar se impõe a grande número de pessoas, mesmo as dotadas de uma mente filosófica, e elas falam sobre o presente como se fosse um datum – como se o tempo nos viesse demarcado em períodos presentes como uma fita métrica.” (S. H. Hodgson: Philosophy of Reflection, vol. I, pp. 248-254. [Shadworth H. Hodgson, The Philosophy of Reflection, 2 vols.. London: Longman, Green & Co, 1878])

    “A representação do tempo concorda com a do espaço quanto à necessidade de certa quantidade dele ser apresentada conjuntamente – contida entre seus limites inicial e terminal. Uma ideação contínua, passando de um ponto a outro, de fato ocuparia um tempo, mas não o representaria, pois trocaria um elemento da sucessão por outro em vez de apreender a sucessão inteira de uma única vez. Mas os pontos – o início e o fim – são igualmente essenciais para a concepção do tempo e devem estar presentes conjuntamente com igual clareza.” (Herbart: Psychol. als W., §115. [Johann Friedrich Herbart, Psychologie als Wissenschaft, neu gegründet auf Erfahrung, Metaphysik und Mathematik. Königsberg: August Wilhelm Unzer, 1825.)

    “Presuma-se que . . . toques similares do pêndulo de um relógio seguem-se um ao outro em intervalos regulares em uma consciência de resto vazia. Quando termina o primeiro, uma imagem dele permanece na fantasia [fancy/Phantasie] até que o segundo suceda. Este, então, reproduz o primeiro em virtude da lei da associação por similaridade, mas ao mesmo tempo concorda com a supradita imagem persistente. . . . Assim, a simples repetição do som fornece todos os elementos da percepção temporal [time-perception]. O primeiro som [tal como recordado por associação] fornece o início, o segundo o fim, e a imagem persistente na fantasia representa a magnitude do intervalo. No momento da segunda impressão, a inteira percepção do tempo existe de uma única vez, pois todos os seus elementos então se fazem presentes conjuntamente, o segundo som e a imagem na fantasia imediatamente e a primeira impressão por reprodução. Mas, no mesmo ato, temos consciência de um estado no qual apenas o primeiro som existia, e de outro no qual apenas sua imagem existia na fantasia. Uma consciência como essa é a do tempo. . . . Nela não tem lugar qualquer sucessão de ideias.” (Wundt: Physiol. Psych., 1st ed. pp. 681-2 [Wilhelm Wundt, Grundzüge der Physiologischen Psychologie. Leipzig: Verlag von Wilhelm Engelmann, 1874.]) Note aqui a suposição de que a persistência e a reprodução de uma impressão sejam dois processos que podem se dar simultaneamente. E também que a descrição de Wundt é meramente uma tentativa de analisar o que é ‘fornecido’ por uma percepção temporal, não uma explicação da maneira como ela surge. ↩︎

  5. Em tradução livre: “O momento em que falo já está distante de mim”. O poeta é Nicolas Boileau. (Nota de tradução.) ↩︎

  6. The Alternative, p. 167 [Edmund R. Clay, The Alternative – A Study in Psychology. London: McMillan & Co., 1882]. ↩︎

  7. Locke, à sua maneira simplória, derivou o senso de duração da reflexão sobre a sucessão de nossas ideias (Essay, book II, chap. XIV. §3; chap. XV. §12) [John Locke, An Essay Concerning Human Understanding, originalmente publicado em 1769]. Reid observa, com justiça, que se dez elementos sucessivos podem constituir uma duração, “então um único deve constituir uma duração, pois, do contrário, a duração deveria ser constituída de partes que não têm duração, o que é impossível. . . . Concluo, portanto, que tem de haver duração em todo e cada intervalo ou elemento a partir do qual a duração inteira é constituída. Nada, de fato, é mais certo do que isto, que toda parte elementar da duração tem de ter duração, como cada parte elementar da extensão tem de ter extensão. Ora, deve-se observar que nesses elementos de duração, ou intervalos únicos de ideias sucessivas, não há sucessão de ideias, embora devamos concebê-los como tendo duração; daí que possamos concluir com certeza que há uma concepção de duração onde não há sucessão de ideias na mente.” (Intellectual Power [sic], essay III, capt. V) [Thomas Reid, Essays on the Intellectual Powers of Man, originalmente publicado em 1785]. “Que nunca procuremos”, diz Royer Collard nos Fragmentos acrescentados à tradução de Reid feita por Jouffroy, “a duração na sucessão; jamais a encontraremos ali; a duração precedeu a sucessão; a noção de duração precedeu a noção de sucessão. Ela é, portanto, completamente independente, diremos? Sim, ela é inteiramente independente.” [James cita o original em francês: “Qu’on ne cherche point la durée dans la succession; on ne l’y trouvera jamais; la durée a précédé la succession; la notion de la durée a précédé la notion de la succession. Elle en est donc tout-à-fait indépendante, dira-t-on? Oui, elle en est tout-à-fait indépendante.”. Cf. Oeuvres completes de Thomas Reid, chef de l'école écossaise, publiées par M. Th. Jouffroy, avec des fragments de M. Royer-Collard et une introduction de l'éditeur. Tome IV. Paris: A. Sautelet & V. Masson, 1828. p. 363.] ↩︎

  8. Physiol. Psych., II, [p.] 54, [p.] 55 [cf. nota 3 acima]. ↩︎

  9. Ibid, II, [p.] 213 [cf. nota 3 acima]. ↩︎

  10. Philosophische Studien, II, [p.] 362 [George Dietze, “Untersuchungen über den Umfang des Bewusstseins bei regelmässig auf ein ander folgenden Schalleindrücken”, Philosophische Studien, Band 2, 1885, pp. 362-393.]. ↩︎

  11. Claro que não se permitiu contar. Isso daria um conceito simbólico, mas não uma percepção intuitiva ou imediata, da totalidade da série. Com uma contagem poderíamos, claro, comparar séries de qualquer magnitude – séries cujos inícios tenham desaparecido de nossa mente e de cuja totalidade não retemos qualquer impressão sensível. Contar uma série de cliques é uma coisa totalmente diferente de meramente percebê-los como descontínuos. Nesse último caso precisamos apenas ser conscientes das porções de duração vazia entre eles; no primeiro, temos que realizar rápidos atos de associação entre eles e igual quantidade de nomes de números. ↩︎

  12. Estel em Philosophische Studien, II, [p.] 50, de Wundt [Volkmar Estel, “Neue Versuche über den Zeitsinn”, Philosophische Studien, Band 2, 1885, pp. 37-65. O periódico, frequente fonte de James neste capítulo, era editado por Wilhem Wundt.]. Mehner, ibid. II, [p.] 571 [Max Mehner, “Zur Lehre vom Zeitsinn”, Philosophische Studien, Band 2, 1885, pp. 546-602]. Nos experimentos de Wundt, números pares de toques [strokes] foram captados pelo ouvido de maneira melhor do que números ímpares. A rapidez de sua sequência teve uma grande influência sobre o resultado. Com mais de 4 segundos de intervalo foi impossível perceber séries deles como unidades (cf. Wundt, Physiol. Psych., II, [p.] 214) [ver nota 4 acima]. Eles simplesmente contaram como toques individuais em certa quantidade. Abaixo de 0.21 a 0.11 segundos, conforme o observador, o juízo novamente tornou-se confuso. Constatou-se que o ritmo de sucessão mais favorável para se apreender séries longas era quando os toques soavam em intervalos de 0.3′′ a 0.18′′. Séries de 4, 6, 8, 16 foram identificadas mais facilmente do que séries de 10, 12, 14, 18. Dificilmente se conseguia apreender claramente as últimas. Com números ímpares, 3, 5, 7 foram as séries mais facilmente apreendidas; em seguida, 9, 15; as mais difíceis, 11 e 13; e 17 foi impossível apreender. ↩︎

  13. O intervalo exato das fagulhas foi 0.00205’. O caráter duplo de seu estalo era usualmente substituído por o que parecia um som único quando caía para 0.00198’, com o som tornando-se mais alto quando as fagulhas pareciam simultâneas. A diferença entre esses dois intervalos é apenas 7/100000 de segundo; e, como nota Exner, nosso ouvido e nosso cérebro devem ser órgãos maravilhosamente eficientes para terem sentimentos diferentes a partir de uma diferença objetiva tão tênue quanto essa. Ver Pflünger’s [sic] Archiv, Bd. XI [Sigmund Exner, “Experimentelle Untersuchung der einfachsten psychischen Processe”, Pflünglers Archiv, Band XI, 1875, pp. 403-432]. ↩︎

  14. Ibid. p. 407. Quando as fagulhas ficavam tão próximas que seus círculos de irradiação se sobrepunham, pareciam uma única fagulha movendo-se da posição da primeira à da segunda; e elas então seguiriam uma a outra com a proximidade de até 0.015’’ sem que a direção do movimento deixasse de ser clara. Quando uma fagulha caísse no centro e a outra na margem da retina, o intervalo de tempo para a apreensão sucessiva tinha de ser elevado a 0.076’’. ↩︎

  15. Hall & Jastrow: Studies of Rhythm. Mind, XI, [p.] 58. [G. Sanley Hall & Joseph Jastrow, “Studies of Rhythm”, Mind, Vol. 11, Issue 41, 1886, pp. 55-62. G. Stanley Hall, psicólogo e educador que obteve o primeiro doutorado em psicologia dos EUA (sob a orientação de James), tornou-se o primeiro reitor da Clark University em 1889.] ↩︎

  16. Não obstante, impressões muito numerosas podem ser sentidas como descontínuas, embora separadas por intervalos de tempo extremamente minúsculos. Grünhagen diz (Pflünger’s [sic] Archiv, VI, [p.] 175) que 10000 choques elétricos por segundo são sentidos como interruptos pela língua (!) [A. Gruenhagen, “Versuche über intermittirende Nervenreizung”, Pflünglers Archiv, Band VI, 1872, pp. 157-181]. Von Wittich (ibid. II, [p.] 329), que entre 1000 e 2000 toques [strokes] por segundo são sentidos como discretos pelo dedo [von Wittich, “Bemerkungen zu Preyers Abhandlung über die Grenzen des Empfindungsvermögens und Willens”, Pflügers Archiv, Band II, 1869, pp. 329–350]. W. Preyer, por outro lado (Die Grenzen des Empfindungsvermögens, etc., 1868, p. 15), faz os contatos parecerem contínuos ao dedo quando 36.8 deles seguem-se em um segundo [William T. Preyer, Uber die Grenzen des Empfindungsvermögens und des Willens. Bonn: Adolph Marcus, 1868]. De forma similar, Mach (Wiener Sitzsb., LI, 2, [p.] 142) dá cerca de 36 [Ernst Mach, “Untersuchungen über den Zeitsinn des Ohres”, Sitzungsberichte der kaiserlichen Akademie der Wissenschaften in Wien, Mathematisch-naturwissenschaftliche Classe, Band 51, Abt. 2, 1865, pp. 133-150]. Lalanne (Comptes Rendus, LXXXII. p. 1314) [Léon Lalanne, “Note sur la durée de la sensation tactile”, Comptes rendus de l'Académie des Sciences, Tome 82, 1876, pp. 1314-1316] constatou contatos de dedo somando-se depois de 22 repetições em um segundo. Essas medidas discrepantes são de valor duvidoso. Na retina, de 20 a 30 impressões por segundo, no máximo, podem ser sentidas como discretas quando incidem sobre o mesmo ponto. O ouvido, que começa a fundir estímulos em um tom musical quando eles se seguem a um ritmo pouco maior de 30 por segundo, pode ainda sentir como descontínuos 132 deles por segundo, quando assumem a forma de ‘batidas’ (Helmholtz, Tonempfindungen, 3ª ed., p. 270) [Hermann von Helmholtz, Die Lehre von den Tonenpfindungen als Physiologische Grundlage für die Theorie der Musik. Dritte umgearbeitete Ausgabe. Braunschweig: Friedrich Vieweg und Sohn.] ↩︎

  17. Pflüger's [sic] Archiv, XI, [p.] 428 [Sigmund Exner, “Experimentelle Untersuchung der einfachsten psychischen Processe”, Pflünglers Archiv, Band XI, 1875, pp. 403-432]. Também no Hdbh. d. Physiol. de Herrmann [sic], 2 Bd., I. Thl [sic]. pp. 260-262 [Sigmund Exner, “Physiologie der Grosshirnrinde“, in Ludimar Hermann (ed.), Handbuch der Physiologie. Band 2, Theil 2. Leipzig: Verlag von F. C. W. Vogel, 1879. As páginas às quais James faz referência são do capítulo intitulado “Die zeitliche Verhalten psychischer Impulse”.] ↩︎

  18. Pflüger's [sic] Archiv, VII, [p.] 639 [Sigmund Exner, “Experimentelle Untersuchung der einfachsten psychischen Processe”, Pflünglers Archiv, Band VII, 1873, pp. 601-660]. Tigerstedt (Bihang till Kongl. Svenska Vetenskaps-Akad. Handl., Bd. 8, Häfte 2, Stockholm, 1884) revisa as medidas de Exner e mostra que suas conclusões são exageradas [Robert Tigerstedt, “Ueber den kleinsten subjectiv merkbaren Unterschied zwische Reactionszeiten”, Bihang till Kungliga Svenska Vetenskapsakademiens Handlingar, Bd. 8, N. 17, pp. 2-31]. De acordo com Tigerstedt, dois observadores quase sempre corretamente estimaram 0.05’’ ou 0.06’’ de diferença em tempo de reação. Metade do tempo eles o fizeram corretamente quando a diferença caiu para 0.03’’, embora entre 0.03’’ e 0.06’’ as diferenças frequentemente não tenham sido notadas. Buccola (Le Legge del Tempo nei Fenomeni del Pensiero, Milano, 1883, p. 371) constatou que, depois de muita prática realizando reações rápidas a um sinal, estimou diretamente, em números, seu próprio tempo de reação, em 10 experimentos, com um erro entre 0.010’’ e 0.018’’; em 6, com um erro entre 0.005’’ e 0.009’’; em um, com um erro de 0.002’’; e em 3, com um erro de 0.003’’ [Gabriele Buccola, La legge del tempo nei fenomeni del pensiero. Milano: Dumolard,1883]. ↩︎

  19. Mind, XI. [p.] 61 (1886) [G. Stanley Hall & Joseph Jastrow, “Studies of Rhythm”, ver nota 15 acima]. ↩︎

  20. Mach, Wiener Sitzungsb., LI. 2. [p.] 133 (1865) [ver nota 16 acima]; Estel, loc. cit. p. 65 [ver nota 12 acima]; Mehner, loc. cit., p. 586 [ver nota 12 acima]; Buccola, op. cit., p 378 [ver nota 18 acima]. Fechner esforça-se para provar que sua lei é apenas encoberta por outras leis interferentes nas medidas registradas por esses investigadores experimentais; mas seu esforço argumentativo parece-me ser um caso de paixão desesperada por um passatempo. (Ver os Philosophische Studien de Wundt, III. 1.) [G. Th. Fechner, “In Sachen des Zeitsinns und der Methode der richtigen und falschen Fälle, gegen Estel und Lorenz”, Philosophische Studien, Band 3, 1886, pp. 1-37.] ↩︎

  21. Existem curiosas discrepâncias entre observadores alemães e americanos com respeito à direção do erro abaixo e acima do ponto de indiferença – diferenças que talvez se devam à fadiga envolvida no método americano. Os alemães dilataram os intervalos abaixo dele e encurtaram os acima. Com sete americanos submetidos a experimentos por Stevens passou-se exatamente o inverso. O método alemão foi passivamente escutar os intervalos e então julgar; o americano foi reproduzi-los ativamente com movimentos da mão. Nos experimentos de Mehner foi encontrado um segundo ponto de indiferença de cerca de 5 segundos, para além do qual os tempos foram novamente julgados demasiado longos. Glass cujo trabalho sobre o tema é o mais recente (Philos. Studien, IV. 423) [Richard Glass, “Kritisches und Experimentelles über den Zeitsinn”, Philosophische Studien, Band 4, 1888, pp. 423-456], constatou (quando correções foram permitidas) que todos os tempos exceto 0.8 segundos foram estimados demasiado curtos. Ele constatou uma série de pontos de maior exatidão relativa (viz., respectivamente aos 1.5, 2.5, 3.75, 5, 6.25 segundos, etc.[ )] e ([sic] pensou que suas observações grosso modo corroboraram a lei de Weber. Como ‘máximo’ [maximum] e ‘mínimo’ [minimum] são impressos de maneira intercambiável no artigo de Glass, é difícil segui-lo. ↩︎

  22. Com Vierordt e seus pupilos o ponto de indiferença encontram-se tão alto quanto entre 1.5 segundos e 4.9 segundos, de acordo com o observador (cf. Der Zeitsinn, 1868, p. 112) [Karl Vierordt, Der Zeitsinn nach Versuchen. Tubingen: H. Laupp, 1868]. Na maioria desses experimentos o tempo escutado foi ativamente reproduzido, após uma pausa curta, por movimentos da mão, que foram registrados. Wundt dá boas razões (Physiol. Psych., II, [p.] 289, [p.] 290) [ver nota 4 acima] para rejeitar como errôneas as medidas de Vierordt. O livro de Vierordt, deve ser dito, está cheio de material importante, não obstante. ↩︎

  23. Physiol. Psych., II, [p.] 286, [p.] 290 [ver nota 4 acima]. ↩︎

  24. Philosophische Studien, I. 86 [Julius Kollert, “Untersuchungen über den Zeitsinn”, Philosophische Studien, Band 1, 1883, pp. 78-89]. ↩︎

  25. Mind, XI. 400 [Lewis T. Stevens, “On the Time-Sense”, Mind, Vol. XI, Issue 43, 1886, pp. 393-404]. ↩︎

  26. Loc. cit., p. 144 [ver nota 16 acima]. ↩︎

  27. Op. cit., p. 376 [ver nota 18 acima]. As medidas de Mach e Buccola, será observado, correspondem a cerca da metade das restantes – submúltiplas, portanto. Deve-se observar, contudo, que a medida de Buccola tem pouco valor, suas observações não sendo adequadas à tarefa de mostrar esse ponto particular. ↩︎

  28. As medidas de Estel levaram-no a pensar que todos os múltiplos gozavam desse privilégio; com Mehner, por outro lado, apenas os múltiplos ímpares mostraram diminuição no erro médio; assim, 0.71, 2.15, 3.55, 5, 6.4, 7.8, 9.3 e 10.65 segundos foram respectivamente registrados como o menor erro. Cf. Phil. Studien, II. pp. 57, [pp.] 562-565 [ver nota 12 acima]. ↩︎

  29. Cf. especialmente pp. 558-561 [ver nota 12 acima]. ↩︎

  30. Wundt: Physiol. Psych., II. [p.] 287 [ver nota 4 acima]. Hall & Jastrow: Mind, XI, [p.] 62 [ver nota 15 acima]. ↩︎

  31. Mehner: loc. cit. p. 553 [ver nota 12]. ↩︎

  32. O número de diferenças de velocidade distinguíveis entre esses limites é, ele tem o cuidado de observar, muito maior do que 7 (Der Zeitsinn, p. 137) [Karl Vierordt, Der Zeitsinn nach Versuchen. Tubingen: H. Laupp, 1868]. ↩︎

  33. P. 19, § 18, p. 112 [ver nota 22 acima]. ↩︎

  34. Deixo o texto exatamente como foi impresso no Journal of Speculative Philosophy (para ‘outubro de 1886’) em 1887 [ver, acima, a apresentação a esta tradução]. Desde então, Münsterberg em seu magistral Beiträge zur experimentellen Psychologie (Heft 2, 1889) [Hugo Münsterberg, Beiträge zur experimentellen Psychologie. Heft. 2. Freiburg: J. C. B. Mohr, 1889] parece ter deixado claro quais são as mudanças sensíveis pelas quais medimos o lapso de tempo. Quando o tempo que separa duas impressões sensíveis é inferior a um terço de segundo, ele pensa que se trata quase inteiramente do quanto a imagem mnemônica da primeira impressão se desvaneceu quando a segunda a ultrapassa, o que nos faz sentir o quão larga é a distância entre elas (p. 29). Quando o tempo é mais longo do que isso, dependemos, pensa ele, exclusivamente dos sentimentos de tensão e relaxamento musculares, os quais estamos constantemente recebendo, embora lhes demos tão pouco de nossa atenção direta. Esses sentimentos estão principalmente nos músculos pelos quais ajustamos nossos órgãos dos sentidos para atender aos sinais usados, alguns dos músculos encontrando-se nos próprios olhos e ouvidos, alguns deles na cabeça, no pescoço, etc. Julgamos aqui que dois intervalos de tempo são iguais quando, entre o início e o fim de cada um, sentimos que ocorreram exatamente relaxamentos e tensões de expectativa similares nesses músculos. Quando nós mesmos reproduzimos intervalos, tentamos fazer com que nossos sentimentos sejam justamente do tipo que foram quando passivamente escutamos o intervalo. Por si sós, esses sentimentos só podem, contudo, ser usados quando os intervalos são muito curtos, pois a tensão antecipatória do estímulo final naturalmente atinge seu máximo muito rapidamente. Com intervalos mais longos, levamos em conta o sentimento de nossas inspirações e expirações. Com nossas expirações, todas as outras tensões musculares em nosso corpo sofrem uma diminuição rítmica; com nossas inspirações acontece o inverso. Quando, portanto, notamos um intervalo de tempo de vários segundos com a intenção de reproduzi-lo, o que buscamos fazer é que o intervalo anterior e o posterior concorde em número e quantidade com essas mudanças respiratórias, em combinação com os ajustes dos órgãos sensórios com os quais são preenchidos. Münsterberg estudou cuidadosamente, em seu próprio caso, as variações do fator respiratório. São muitas; mas ele resume sua experiência dizendo que quer ele tenha empreendido as medidas por inspirações divididas por pausas momentâneas em seis partes, quer por inspirações contínuas; quer pela tensão sensorial durante a inspiração e relaxamento durante a expiração, ou por tensão durante ambas, inspiração e expiração, separadas por um relaxamento subitamente interpolado; quer com especial atenção às tensões cefálicas, ou às do tronco e dos ombros, em todos os casos, igualmente e sem excepção, ele involuntariamente empenhou-se, sempre que comparou dois intervalos temporais [times] ou tentou igualar ambos, em obter exatamente as mesmas condições respiratórias e condições de tensão, em suma, todas as condições subjetivas, exatamente as mesmas durante segundo intervalo e durante o primeiro. Münsterberg corroborou suas observações subjetivas mediante experimentos. O observador do intervalo temporal [of the time] tinha que reproduzir o mais exatamente possível um intervalo entre dois sons agudos fornecidos por um assistente. A única condição que lhe era imposta era que não modificasse sua respiração para os fins da medição. Verificou-se então que, quando o assistente interrompia aleatoriamente seus sinais, o juízo do observador era muito menos preciso do que quando o assistente observava atentamente a respiração do observador e fazia coincidir tanto o início do intervalo temporal [time] que lhe era dado quanto o do intervalo temporal que deveria dar com fases idênticas dela. – Finalmente, Münsterberg tenta explicar com grande plausibilidade as discrepâncias entre os resultados de Vierordt, Estel, Mehner, Glass, etc., como devidas ao fato de que eles não utilizaram todos a mesma unidade de medida. Alguns respiram um pouco mais rápido, outros um pouco mais devagar. Alguns quebram suas inspirações em duas partes, alguns não, etc. A coincidência dos tempos objetivos medidos com fases naturais definidas de respiração bem facilmente proporcionaria limites periódicos funcionais para uma mensuração precisa. ↩︎

  35. “Qualquer um que deseje ainda mais exemplos dessa substituição mental encontrará um se observar como habitualmente pensa nos espaços no mostrador do relógio em vez de nos períodos que eles representam; como, ao descobrir que se passou meia hora a mais do que supunha, ele não represente a meia hora em sua duração, mas se atém ao sinal dela marcado pelo ponteiro.” (H. Spencer: Psychology, § 336.) [Herbert Spencer, The Principles of Psychology, London: Longman, Brown, Green & Longmans, 1855]. ↩︎

  36. As únicas objeções em que posso pensar a isso são: (1) A precisão com que alguns homens julgam a hora do dia ou da noite sem olhar para o relógio; (2) a capacidade que alguns têm de acordar em uma hora pré-determinada; (3) a precisão da percepção temporal que se relata existir em certos sujeitos em transe. Pode parecer que nessas pessoas foi mantido algum tipo de registro subconsciente do lapso de tempo per se. Mas não se pode admitir isso até que se prove não haver processos fisiológicos, de cujo progresso o sentimento pode servir como um sinal de quanto tempo passou, nos levando assim a inferir a hora. Que existam tais processos é algo do qual dificilmente se pode duvidar. Um engenhoso amigo meu por muito tempo ficou intrigado para saber por que cada dia da semana tinha uma fisionomia tão característica para ele. Logo notou que a de domingo devia-se ao cessar do ruído da cidade e do som misturado dos pés das pessoas na calçada; a de segunda-feira viria das roupas secando no quintal e lançando um reflexo branco no teto; a de terça-feira, de uma causa que esqueci; e acho que meu amigo não foi além de quarta-feira. Provavelmente cada hora do dia tem para a maioria de nós algum sinal externo ou interno associado a ele tão de perto quanto esses sinais com os dias da semana. É preciso admitir, contudo, enfim, que a grande melhora da percepção temporal durante o sono e o transe é um mistério ainda não esclarecido. Durante toda a minha vida fiquei impressionado com a precisão com que acordaria no mesmo exato minuto noite após noite e manhã após manhã, bastando o hábito começar fortuitamente. O registro orgânico em mim independe do sono. Depois de muito tempo deitado na cama acordado eu de repente me levanto sem saber a hora, e por dias e semanas o farei em um minuto idêntico pelo relógio, como se algum processo fisiológico interno causasse o ato ao correr pontualmente. – Diz-se que os idiotas às vezes possuem a capacidade de medir o tempo em um grau marcante. Possuo um interessante relato manuscrito de uma menina idiota que diz: “Ela era pontual quase com a precisão de um minuto na sua demanda por comida e outras atenções regulares. Seu jantar era geralmente servido às 12h30 e ela começava a gritar a essa hora se ele não estivesse chegando. Se no feriado do Jejum [Fast-day] ou no Dia de Ação de Graças ele fosse adiado, de acordo com o costume da Nova Inglaterra, ela gritava desde o horário habitual do jantar até a hora em que a comida lhe fosse levada. No dia seguinte, no entanto, ela voltava a fazer saber sus desejos prontamente às 12h30. Qualquer ligeira atenção mostrada a ela em um dia era demandada no outro na hora correspondente. Se lhe fosse dada uma laranja às 16 horas de quarta-feira, à mesma hora de quinta-feira dava a conhecer sua expectativa, e se a fruta não lhe fosse dada ela continuava a pedir por ela em intervalos de duas ou três horas. À mesma hora da sexta-feira o processo se repetiria, mas duraria menos tempo; e assim se dava por dois ou três dias. Se uma de suas irmãs a visitasse acidentalmente em uma determinada hora, o penetrante grito agudo certamente a convocaria na mesma hora do dia seguinte”, etc., etc. – Para estas obscuras questões consultar C. Du Prel, The Philosophy of Mysticism, cap. III. § 1 [Carl du Prel, The Philosophy of Mysticism. 2 vols. London: George Redway, 1889]. ↩︎

  37. Ideale Fragen (1878), p. 219 (Ensaio ‘Zeit und Weile’). [Moritz Lazarus, Ideale Fragen in Reden und Vorträgen. Berlin: Hofmann & Co., 1878. ] ↩︎

  38. Revue Philosophique, vol. III. p. 496 [Paul Janet, “Une illusion d’optique interne”, Revue Philosophique de La France et de l’Étranger, vol. 3, 1877, pp. 497–502]. ↩︎

  39. “O tempo vazio é mais fortemente percebido quando advém como uma pausa na música ou na fala. Suponha-se que um pregador no púlpito, um professor em sua cátedra, estaque em meio de seu discurso; ou permita-se que um compositor (como às vezes é feito propositalmente) faça todos os seus instrumentos pararem de uma só vez; aguardamos a cada instante a retomada da atuação e, nessa espera, percebemos, mais do que de qualquer outro possível modo, o tempo vazio. Para mudar o exemplo, permita-se que, na execução de uma música polifônica – um segmento, por exemplo, em que um emaranhado de melodias está em andamento – de súbito uma única voz seja ouvida, sustentando uma longa nota enquanto todo o resto silencia. . . . Essa nota parecerá muito alongada – por quê? Porque temos a expectativa de escutar acompanhando-a as notas dos outros instrumentos, mas elas deixam de aparecer.” (Herbart, Psychol. als W., §115) [ver nota 4 acima] – Compare também Münsterberg, Beiträge, Heft 2, p. 41 [ver nota 34 acima]. ↩︎

  40. Uma noite de dor parecerá terrivelmente longa; continuamos expectantes por um momento que nunca chega – o momento em que ela irá parar. Mas o que há de execrável nessa experiência não se chama ennui ou Langweile, como no que há de execrável no tempo que parece longo devido ao seu vazio [emptiness]. A execrabilidade mais positiva da dor é, em vez disso, a que tinge nossa memória da noite. O que sentimos, como diz o Prof. Lazarus (op cit., p. 202) [ver nota 37 acima], é o longo tempo do sofrimento, não o sofrimento do longo tempo per se. ↩︎

  41. Sobre essas variações na estimativa do tempo, cf. Romanes, Consciousness of Time, in Mind, vol. III, p. 297 [George J. Romanes, “Consciousness of time”, Mind, Vol. 3, Issue 11, 1878, pp. 297–30]; J. Sully, Illusions, pp. 245-261, 302-305 [James Sully. Illusions: A Psychological Study. New York: Appleton, 1891]; W. Wundt, Physiol. Psych., II. [p.] 287, [p.] 288 [ver nota 4 acima]; além dos ensaios citados de Lazarus e Janet. Em alemão, os sucessores de Herbart trataram desse assunto: compare com o Lehrbuch d. Psych., § 89, de Volkmann [Wilhelm Volkmann, Lehrbuch der Psychologie vom Standpunkte des Realismus und nach genetischer Methode. Cöthen: Otto Schulze, 1875], e para referências a outros autores sua nota 3 dessa seção. Lindner (Lbh. d. empir. Psych.) [Gustav Adolf Lindner, Lehrbuch der empirischen Psychologie als inductiver Wissenschaft Wien: C. Gerold's Sohn, 1889], como um efeito paralelo, dá como exemplo a vida de Alexandre, o Grande (trinta e três anos), que nos parece que tivesse de ser longa, porque foi tão plena de acontecimentos. Da maneira similar, o Commonwealth inglês, etc. ↩︎

  42. Physiol. Optik, p. 445 [Hermann von Helmholtz, Handbuch der physiologischen Optik. Leipzig: Leopold Voss, 1867]. ↩︎

  43. A sucessão, o tempo per se, não é uma força. Quando falamos em suas presas devoradoras, etc., estamos sendo inteiramente elípticos. Seus conteúdos são o que devora. A lei da inércia é incompatível com a suposição de que o tempo seja causa eficiente do que quer que seja. ↩︎

  44. Lembremos que o capítulo tem origem em um artigo de mesmo título publicado em 1886 no Journal of Speculative Philosophy. Trata-se aqui de uma falha de edição, na transcrição do artigo no capítulo. (Nota do tradutor) ↩︎

  45. Lehrbuch d. Psych., § 87 [ver nota 41 acima]. Compare também H. Lotze, Metaphysik, § 154 [Hermann Lotze, Metaphysik. Leipzig: Weidmann, 1841]. ↩︎

  46. A causa da percepção, não do objeto percebido! ↩︎

  47. “‘Não mais’ e ‘ainda não’ são os sentimentos temporais propriamente ditos, e não somos conscientes do tempo de outro modo senão através desses sentimentos”, diz Volkmann (Psychol., §87) [ver nota 41 acima]. Isso, que não é estritamente verdadeiro de nosso sentimento de tempo per se, como uma porção elementar de duração, é verdadeiro de nosso sentimento de data em seus eventos. ↩︎

  48. Nós concebemos as milhas da mesma forma que concebemos os anos. Viajar de trem faz com que uma sucessão de diferentes campos de visão passe diante de nossos olhos. Quando aqueles que já passaram do nosso olhar presente são revividos na memória, eles mantêm sua ordem mútua porque seus conteúdos se sobrepõem. Pensamos neles como tendo um antes e um depois um do outro; e, partindo das diversas visões que podemos relembrar como anteriores à nossa presente, computamos o espaço total pelo qual passamos.

    Frequentemente se diz que a percepção do tempo se desenvolve depois da de espaço, porque as crianças têm uma ideia por demais vaga de quaisquer datações [dates] antes de ontem e depois de amanhã. Mas esta não é mais vaga do que a que têm de extensões que excedem, na mesma medida, sua unidade de intuição espacial. Recentemente ouvi meu filho de quatro anos dizer a um visitante que eles estava ‘a por volta de uma semana’ no interior. Como ele estava há três meses, o visitante expressou surpresa; com o que a criança se corrigiu dizendo que ele estava no interior há ‘doze anos’. Mas a criança cometeu exatamente o mesmo tipo de erro quando perguntada se Boston não estava a trezentas milhas de Cambridge, quando a distância é de três milhas. ↩︎

  49. A maioria dessas explicações simplesmente dá os sinais que, aderindo a impressões, nos levam a datá-las no interior de uma duração, ou, em outras palavras, a atribuir-lhes sua ordem. Por que ela deva ser uma ordem de tempo, contudo, não é explicado. A presuntiva explicação de Herbart é uma simples descrição da percepção de tempo. Ele diz que ela advém quando, com o último membro de uma série presente à nossa consciência, pensamos também no primeiro; e então a inteira série revive em nosso pensamento de uma única vez, mas com a força diminuindo na direção retrógrada (Psychol. als Wiss., § 115 [ver nota 4 acima]; Lehrb. zur Psychol., §§ 171, 172, 175 [Johann Friedrich Herbart, Lehrbuch zur Psychologie. Königsberg: August Wilhelm Unzer, 1816]). De maneira similar, Drobisch, que acrescenta que a série deve aparecer como uma série que já decorreu (durchlaufene), uma palavra que mostra ainda mais claramente a natureza circular dessa espécie de explanação (Empirische Psychol., § 59). Th. Waitz é culpado de similar petição de princípio quando explica nossa consciência temporal como engendrada por um conjunto de tentativas malsucedidas de fazer com que nossos perceptos concordem com nossas expectativas (Lehrb. d. Psychol., § 52) [Theodor Waitz, Lehrbuch Der Psychologie als Naturwissenschaft. Braunschweig: F. Vieweg und Sohn, 1849]. A explanação mitológica de Volkmann, de representações passadas lutando para expulsar as presentes da sede da consciência, sendo repelidas de volta por elas, etc., sofre da mesma falácia (Psychol., § 87). Mas todas essas explanações concordam em pressupor um fato – a saber, que os processos cerebrais de vários eventos devem estar ativos simultaneamente, e com forças variadas, para que seja possível uma percepção temporal. Autores posteriores tornaram essa ideia mais precisa. Assim, Lipps: “Sensações surgem, ocupam a consciência, se desvanecem como imagens e dissipam-se. Na medida em que duas delas, a e b, passem por esse processo simultaneamente, ou em que uma preceda a ou siga-se à outra, as fases de seu esmaecimento concordarão ou diferirão; e a diferença será proporcional à diferença temporal de seus diversos momentos de início. Assim, há diferenças de qualidade nas imagens, as quais a mente pode traduzir em diferenças correspondentes de sua ordem temporal. Não há outro meio-termo possível entre as relações temporais objetivas e aquelas na mente além dessas diferenças de fase”. (Grundtatsachen des Seelenlebens, p. 588.) [Theodor Lipps, Grundtatsachen des Seelenlebens. Bonn: Cohen, 1883.] Lipps consequentemente as denomina ‘sinais temporais’ e se apressa a explicitamente acrescentar que a tradução pela alma de sua ordem de força em uma ordem temporal é inteiramente inexplicável (p. 591). A explanação de M. Guyau (Revue Philosophique, XIX, 353) [M. Guyau. “L’évolution de l’idée de temps dans la conscience”. Revue Philosophique de La France et de l’Étranger, vol. 19, 1885, pp. 353-68] dificilmente distingue-se da de seus predecessores, exceto no caráter pitoresco do estilo. Toda mudança deixa uma série de trainées [sic] lumineuses [rastros luminosos] na mente, como a passagem de estrelas cadentes. Cada imagem encontra-se em uma fase mais esmaecida, na medida em que sua origem seja mais remota. Esse grupo de imagens dá a duração, a mera forma temporal, o ‘leito’ do tempo. A distinção entre passado, presente e futuro no interior do leito advém de nossa natureza ativa. O futuro (como com Waitz) é o que quero, mas ainda não alcancei, e pelo qual tenho de esperar. Tudo isso é sem dúvida verdadeiro, mas não é uma explicação.

    O Sr. Ward fornece, em seu artigo da Enciclopédia Britânica (Psychology, p. 65, col. 1) [James Ward, “Psychology”, Encyclopedia Britannica, Ninth Edition. New York: Henry G. Allen and Co., 1888), Vol. XX, pp. 37-85], uma tentativa ainda mais refinada de especificar o ‘sinal temporal’. Sendo o problema determinar, dentre várias outras coisas pensadas como sucessivas, mas pensadas simultaneamente, qual seja a primeira e qual seja a última, ele diz: “Depois de cada representação distinta, a b c d, deve intervir a representação daquele movimento de atenção do qual somos conscientes ao passar de um objeto a outro. Em nossa reminiscência presente, deve-se conceder, dispomos de pouca prova direta dessa intervenção; embora haja, penso eu, evidência indireta dela na tendência que o fluxo de ideias tem de seguir a ordem em que primeiramente se atentou às presentações. Estamos familiarizados o bastante com o próprio movimento quando muda a direção da atenção, embora os resíduos de tais movimentos não sejam ordinariamente conspícuos. Esses resíduos, pois, são nossos sinais temporais. . . . Mas sinais temporais, unicamente, não fornecerão toda a exatidão pictórica da perspectiva temporal. Eles nos dão apenas uma série fixa; mas a lei do esquecimento [obliviscence], ao assegurar uma progressiva variação de intensidade ao passarmos de um membro da série para o outro, produz o efeito que denominamos distância temporal. Por si mesmas, tais variações de intensidade nos deixariam sujeitos a confundir representações mais vívidas, que estejam mais distantes, com representações mais fracas, que estejam mais próximas do presente, mas desse erro os sinais temporais nos salvam; onde o contínuo da memória é imperfeito tais erros continuamente ocorrem. Por outro lado, onde essas variações são tênues e imperceptíveis, ainda que o contínuo da memória preserve intacta a ordem dos eventos, não dispomos ainda de tal apreciação distinta da distância comparativa no tempo como temos mais próximos do presente, onde esses efeitos perceptíveis são consideráveis. . . . Locke fala de nossas ideias sucedendo uma a outra ‘a certas distâncias, não muito diferente das imagens no interior de uma lanterna que gira ao calor de uma vela’, e ‘conjectura’ que ‘esse aparecer delas em uma cadeia [train] não difere muito em um homem em vigília.* Ora, o que é essa ‘distância’ que separa a de b, b de c, e assim por diante*; e o que meios temos de saber que ela é toleravelmente constante na vida de vigília? Trata-se provavelmente disto, o resíduo que denominei um sinal temporal; ou, em outras palavras, trata-se do movimento da atenção de a para b.” Não obstante, o sr. Ward não chama nosso sentimento desse movimento da atenção de origem de nosso sentimento do tempo, ou designa seu processo cerebral como o processo cerebral que diretamente causa a nossa percepção do tempo. Ele diz, um momento depois, que “embora a fixação da atenção realmente, é claro, ocupe tempo, provavelmente não é, em primeira instância, percebida como tempo – isto é, como contínua ‘protensidade’ [protensity], para usar um termo de Hamilton –, mas como intensidade. Assim, se essa suposição é verdadeira, há um elemento em nossas percepções temporais concretas que não tem lugar em nossa concepção abstrata do Tempo. No Tempo, fisicamente concebido, não há traço de intensidade; no tempo experienciado psiquicamente, a duração é primariamente uma magnitude intensiva e, nessa medida, literalmente uma percepção.” Sua ‘origem’ é, pois, se entendo o sr. Ward, algo como um sentimento que acompanha, como prazer e dor podem acompanhar, os movimentos da atenção. Seu processo cerebral deve, ao que parece, ser assimilado em gênero aos processos cerebrais do prazer e da dor. Tal seria, mais ou menos conscientemente, a visão do próprio sr. Ward, pois ele diz: “Todo mundo sabe o que é ser distraído por uma rápida sucessão de impressões variadas, e igualmente o que é aborrecer-se com a recorrência lenta e monótona das mesmas impressões. Ora, esses ‘sentimentos’ de distração e tédio devem suas qualidades características aos movimentos da atenção. Na primeira, a atenção é mantida incessantemente em movimento; antes de acomodar-se a a, é perturbada pela intensidade e novidade repentina de b; no segundo, é mantida totalmente imóvel pela repetida apresentação da mesma impressão. Esse excesso e essa falta de surpresas fazem com que nos demos conta de um fato que na vida ordinária é tão obscuro que não notamos. Mas experimentos recentes colocaram esse fato sob uma luz mais marcante e tornaram claro o que Locke tinha vagamente em mente quando falou de certa distância entre as representações de um homem em vigília. Ao estimar períodos muito curto de tempo, de um segundo ou menos, indicados, digamos, pelas batidas de um metrônomo, constata-se que há certo período no qual a média de diversas estimativas é correta, enquanto períodos mais curtos são como um todo superestimados, ao passo que períodos mais longos são subestimados. Tomo isso como evidência do tempo ocupado ao acomodar-se ou fixar-se a atenção.” Aludindo ao fato de que uma série de experiência, a b c d e, pode parecer curta em retrospecto, enquanto parecia interminável quando passava, ele diz: “O que conta em retrospecto é a série a b c d e, etc.; o que conta no presente é a série interveniente t1 t2 t3, etc., ou antes a acomodação original da qual esses sinais temporais são o resíduo.” E ele conclui assim: “Parecemos ter uma prova de que nossa percepção da duração repousa em última instância sobre objetos quase-motores de intensidade variável, a duração dos quais não experienciamos de forma alguma diretamente como duração.”

    Wundt também pensa que o intervalo de certa de três quartos de segundo, que é estimado com o mínimo de erro, aponta para uma conexão entre o sentimento de tempo e a sucessão de objetos distintamente ‘apercebidos’ [apperceived] diante da mente. O ‘tempo de associação’ é também igual a cerca de três quartos de segundo. Ele considera esse tempo de associação como uma espécie de padrão interno de duração, ao qual involuntariamente assimilamos todos os intervalos que tentamos reproduzir, dilatando os mais curtos para nele se acomodarem, enquanto diminuímos os mais longos. (No resultado de Stevens devemos dizer contrastamos em vez de assimilamos, pois ali os intervalos mais longos parecem mais longos e os mais curtos mais curtos ainda.) “De modo assaz singular”, acrescenta ele (Physiol. Psych., II. [p.] 286) [ver nota 4 acima], “esse tempo é aproximadamente aquele no qual, em um caminhar rápido, de acordo com Weber, nossas pernas realizam seu vaivém. Não parece improvável, pois, que ambas as constantes psíquicas, a da velocidade média de reprodução e a da mais segura estimativa de tempo, formaram-se elas próprias sob a influência daqueles movimentos mais habituais do corpo que também usamos quando tentamos subdividir ritmicamente trechos mais longos de tempo.”
    Finalmente, o Prof. Mach faz uma sugestão ainda mais específica. Depois de muito corretamente dizer que temos uma real sensação de tempo – de outra forma, como haveríamos de identificar duas melodias inteiramente diferentes como sendo tocadas ao mesmo ‘tempo’? como distinguiríamos na memória o primeiro toque do relógio do segundo, a menos que a cada qual aderisse sua particular sensação temporal, revivida com ela? –, ele diz: “é provável que esse sentimento esteja conectado ao consumo orgânico que está necessidade ligado à produção de consciência, e que o tempo que sentimos se deva provavelmente ao trabalho (mecânico?) da (ou do processo da?) atenção. Quando a atenção se exaure, o tempo parece longo; durante uma ocupação fácil, curto, etc. . . . A fatiga do órgão da consciência, no curso da vigília, continuamente aumenta, e o trabalho da atenção aumenta de maneira proporcionalmente contínua. Aquelas impressões conjugadas a uma quantidade maior de trabalho da atenção parecem-nos as mais atrasadas.” O aparente deslocamento relativo de certos eventos simultâneos e certos anacronismos de sonhos são considerados por Mach facilmente explicáveis como efeitos de uma separação da atenção entre dois objetos, um dos quais consome a maior parte dela (Beiträge zur Analyse der Empfindungen, p. 103 ss) [Ernst Mach, Beiträge zur Analyse der Empfindungen. Jena: Gustav Fischer, 1886]. A teoria de Mach parece digna de melhor elaboração. É difícil dizer, no momento, se ele, Ward e Wundt querem no fundo dizer a mesma coisa ou não. A teoria avançada em meu próprio texto, será observado, não pretende ser uma explicação, mas apenas uma enunciação elementar da ‘lei’ que nos faz conscientes do tempo. A mitologia herbartiana pretende explicar. ↩︎

  50. Seria precipitado dizer de maneira definitiva precisamente quantos segundos esse presente especioso deve ter, pois processos desvanecem-se ‘assintoticamente’, e o presente distintamente intuído mescla-se a uma penumbra de mera e vaga recentidade [recency] antes de tornar-se o passado que é simplesmente reproduzido e concebido. Muitas coisas que não datamos distintamente, intercalando-as num lugar entre duas outras coisas, chegarão a nós, não obstante, com esse sentimento de pertencerem a um passado próximo. Esse sentimento de recentidade é um sentimento sui generis e pode afetar coisas que aconteceram horas atrás. Isso parece mostrar que seus processos cerebrais ainda estão em um estado modificado pela excitação precedente, ainda em uma fase de ‘desvanecimento’, a despeito do longo intervalo. ↩︎

  51. Physiol. Psych., II, [p.] 263 [ver nota 4 acima]. ↩︎

  52. Deixo meu texto como foi impresso antes do ensaio de Münsterberg aparecer [ver nota 34 acima]. Ele nega que meçamos quaisquer durações senão as mínimas mediante o montante de desvanecimento nos processos ideacionais, e fala quase exclusivamente de nossos sentimentos de tensão muscular em seu tratamento do tema, ao passo que não fiz qualquer menção a tais coisas no meu. Não posso ver, contudo, que haja qualquer conflito entre o que ele e eu sugerimos. Estou preocupado principalmente com a consciência da duração considerada como um tipo específico de objeto, ele está preocupado exclusivamente com a mensuração desse objeto. Sentimentos de tensão podem ser o meio da mensuração, ao passo que processos sobrepostos de todo e qualquer espécie deram o objeto a ser medido. Os movimentos acomodativos e respiratórios de onde avêm os sentimentos de tensão formam sensações regularmente recorrentes divididas por suas ‘fases’ em intervalos tão definidos quanto aqueles pelos quais uma trena é dividida pelas marcas em seu comprimento.
    Sejam a1, a2, a3, a4, fases homólogas em quatro movimentos sucessivos deste tipo. Se quatro estímulos externos 1, 2, 3, 4, coincidem cada um com uma dessas fases sucessivas, então seus ‘distanciamentos’ são sentidos como iguais, do contrário não. Mas não há razão alguma para supor que a mera sobreposição do processo cerebral de 2 pelo processo de desvanecimento de 1, ou o de 3 pelo de 2, etc., não dê a qualidade característica de conteúdo que nós chamamos de ‘distanciamentos’ nessa experiência, e que com o auxílio dos sentimentos musculares são julgados como iguais. Sem dúvida, os sentimentos musculares podem nos dar o objeto ‘tempo’ assim como sua medida, porque suas fases anteriores deixam sensações desvanecentes que constantemente se sobrepõem à sensação vívida da fase presente. Mas seria contrário à analogia supor que eles deveriam ser as únicas experiências que dão esse objeto. Não entendo que Herr Münsterberg afirme reclame isso para eles. Ele dá por garantido nosso sentido de tempo e apenas discute sua mensuração ↩︎

  53. Exner in Hermann's Hdbch. d. Physiol., Bd. II. Thl. II. p. 281 [ver nota 17 acima]. Richet in Revue Philosophique, XXI. 568 (juin, 1886) [Charles Richet, “Les origines et les modalités de la mémoire: essai de psychologie générale”, Revue Philosophique de La France et de l’Étranger, vol. 21, 1886, pp. 561–90]. Ver o próximo capítulo [Principles of Psychology, chapter XVI, “Memory”]. ↩︎

  54. Falei somente em processos cerebrais desvanecentes, para apenas para fins de simplicidade. Processos nascentes [dawning] provavelmente exercem um papel tão importante quanto eles em dar um sentimento de duração ao presente especioso. ↩︎

  55. Reden (St. Petersburg, 1864), vol. I. pp. 255-268 [Karl Ernst von Baer, Reden Gehalten in Wissenschaftlichen Versammlungen Und Kleinere Aufsätze Vermischten Inhalts. Band 1. St. Petersburg: Schmitzdorff, 1864.]. ↩︎

  56. Psychology, § 91 [ver nota 35 acima.] ↩︎

  57. “O paciente não pode reter a imagem de um objeto por mais do que um momento. Sua memória é igualmente curta para sons, letras, figuras e palavras impressas. Se cobrirmos uma palavra escrita ou impressa com uma folha de papel na qual uma pequena janela foi cortada, de sorte que apenas a primeira letra seja visível através da janela, ele pronuncia essa letra. Se, então, a folha é movida de modo a cobrir a primeira letra e tornar visível a segunda, ele pronuncia a segunda, mas esquece a primeira, e não pode pronunciar a primeira e a segunda conjuntamente.” E assim por diante até o fim. “Se ele fecha os olhos e passa seu dedo explorando os contornos de um objeto bem conhecido, como uma faca ou chave, ele não pode combinar as impressões separadas e reconhecer o objeto. Mas se o objeto for colocado em sua mão de forma que que ele possa tocá-lo simultaneamente com vários dedos, ele o nomeia sem dificuldade. Esse paciente perdeu, por conseguinte, a capacidade de agrupar sucessivas . . . impressões . . . em um todo e percebê-las como um todo”. (Grashey, in Archiv für Psychiatrie, Bd. XVI. pp. 672-673.) [H. von Grashey, “Uber Aphasie und ihre Beziehung zur Wahrnehmung”, Archiv fur Psychiatrie und Nervenkrankheiten, Band 16, Heft 3, 1885, pp. 654-688]. É difícil acreditar que em um paciente como esse o tempo intuído não fosse fragmentado como as impressões que tinha, embora talvez não tanto quanto elas.

    Eu mesmo já notei muitas vezes um curioso exagero de perspectiva temporal no momento de adormecer. Uma pessoa está se movendo ou fazendo algo no quarto, e certo estágio de seu ato (seja qual for) é minha última percepção desperta. E então um estágio subsequente me desperta para uma nova percepção. Os dois estágios do ato não têm mais do que alguns segundos entre eles; e, no entanto, sempre me parece que, entre o primeiro e o último, um longo intervalo se passou. A título de conjectura, explano o fenômeno da seguinte maneira, chamando os dois estágios do ato de a e b respectivamente: estivesse eu acordado, a deixaria um processo de desvanecimento em meu sensorium que se sobreporia ao processo de b quando o último adviesse, e ambos apareceriam então no mesmo presente especioso, a pertencendo à sua margem anterior. Mas o súbito advento da mudança cerebral chamada sono extingue abruptamente o processo de desvanecimento de a. Quando então b advém e me acorda, a retorna, é verdade, mas não como pertencente ao presente especioso. Ele tem que ser especialmente revocado na memória. Esse modo de revocação usualmente caracteriza coisas há muito passadas – de onde a ilusão. ↩︎

  58. Novamente omito o futuro, apenas para fins de simplicidade. ↩︎